Jornal Pensar a Educação/FaE/UFMG


CIFRAS DE UMA IDEOLOGIA
 - manchas lavadas à mão –

_ Professor, o que significa PF?
_ ... depende do contexto!
_ Não! Dentro deste contexto!
_ “Deste” é um pronome demonstrativo. Ele indica a posição de um sujeito em relação ao...
_ Prato Feito! _ fala rindo o aluno no fundo da sala do ensino médio, escola pública.
_ Prato feito pode ser um... – continua o mesmo aluno.
_ Um jeito de comer com pressa! – entra na conversa a menina do centro da sala.
_ Não! Não é nada disso! Eu quero saber... – retorna o primeiro aluno.
_ Polícia Federal! – entre caras e bocas, três alunos falam em coro.
_ Não! Não quero saber disso! – eleva a voz o aluno que iniciara a questão.
_ Novamente, “disso” é um pronome que...
_ Não quero saber de pronomes, professor. Quero saber o que é PF!
_ Pau de ferro!
_ Pé de Foice!
_ Pau de Fogo!
_ Pé de Figo!
_ Pouca Fé!
_ Paula Fernandes!
_ Pão de Forma!
_ Pedra-fogo!
_ Pé de Faca!
_ Mano!? Faca não tem pé... acorda! – interrompe a lista o aluno que até então se mantivera calado.
_ Claro que tem! Lá na minha comunidade, tem pé e nome! – gargalhadas ecoam pela sala em movimento.
_ Eu sei! Eu sei a resposta, professor. – afirma um dos alunos que iniciara a possível lista.
_ Explique-nos, por gentileza! – media o professor.
_ Ah! Acho que não posso falar isso... em voz alta, sabe?
_ Não? Não entendi! – insiste o professor.
_ Ah! Claro que entendeu. Né, psor!
_ Sinceramente... não entendi!
_ Não quero saber de você, tá suave? – retorna o aluno com a questão na ponta da mão.
_Tá, mané! Mas eu sei o que significa!
_ Cala a boca, aí! Eu quero ouvir o professor responder.
_ Responde! Responde! Responde! – em uníssono, a sala chama o professor à responsabilidade.
_ Bom... posso responder, mas certamente, farei outra lista tal qual vocês fizeram, pois me falta o contexto.
_ Fala sério, pró! com medo das filmage?
_ ...
_ Tamo falando do homem, entendeu?
_ Não! Não entendi! – repete o professor.
_ Ah! Tamo dizendo daquele homem que foi expulso. O tal do PF.
_ Não! Esse daí foi assassinado! E falta um “C” no meio do nome, mano!
_ Ah!?
_ Ah! Deixa prá lá, professor! Eu tava querendo falá do P...PF, fraga? . – era o perguntador resiliente.
_ Não! É mentira dele, psor! Ele quer saber quem é Paulo Freitas!
_ Vamos voltar para a aula de História? – conclama o professor.
_ Voltar? A gente nem intrô nela ainda, psor!
_ Eu avisei! Faz dias que ele anda assim... – era a aluna da primeira fila.
_ Assim como? Eu só quero saber sobre  PF. Custa? - fazendo gestos, reclama o aluno sem resposta.
_ Ô! Professor, dá uma pausa aí e fala disso...
_ “Disso”? Disso, o quê?
E assim lavam-se as mãos manchadas pela força capital: mãos que assinam vidas, mãos que pensam fatos, mãos que estudam nomes, verbos, objetos, sentidos; mãos que fazem da escola um lugar de múltiplos saberes.
_ Será?
_ Será “o quê”?

Ivane Laurete Perotti



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