DESAFIANDO DESEJOS
DESAFIANDO
DESEJOS
Desejando
desejar
"O jeito é: ou nos
conformamos com a falta de
algumas coisas na nossa vida, ou lutar para
realizar todas as nossas loucuras..."
Mario
Quintana
Um choro. Olhares
se voltam para a pequena que derrama vistosas e sonoras lágrimas agarrada às
pernas da mãe. Ela não tem mais de cinco anos. É linda, e como qualquer criança
saudável: chora! A cena chama a atenção de quem passa pelos corredores da
galeria. Entre o visível constrangimento da mãe e a espontânea curiosidade dos
demais, instala-se em mim um parêntese produtivo: descobrir o quê motiva a
emoção expressa da menininha, sem interferir no fato, claro! Estou próxima e
posso tentar uma interação, mesmo que resulte em negativas. Não resultou: a
menina queria algo que vira e não lhe era permitido obter. Escolheu o argumento
à mão: lágrimas audíveis que, facilmente, entorpecem os ouvidos dos
progenitores; especialmente deles, quando não os levam à insanidade temporária,
adquirida, manifesta.
O
choro durou exatamente os minutos que distanciavam a menina de um bebê na fase
dos primeiros passos. Imberbe, o menino soltou-se das mãos do pai e caminhou
até aquela que argumentava na linguagem comum aos dois. Equilibrando-se,
levantou a mão direita e a colocou em concha nos rosto da pequena
argumentadora. Não sei até agora se foi o toque da mãozinha rechonchuda ou o
olhar de doce cumplicidade que fez o choro voltar para o lugar de onde viera.
Tocante! Tocante e funcional. Nenhuma palavra cortou o momento daquele
contexto. Assim como chegou, o menino retornou até o pai que o esperava. A
menina, tranquilamente, pediu à mãe que lhe desse um sorvete. Pronto! Um mundo
em miniatura acionava em minutos os maiores processos do universo humano:
desejo, poder, frustração, interação, vontade... e outros mais que não caberiam
nesse espaço.
Coloquei-me
no lugar da menina e ampliei o leque de considerações sobre os motivos que lhe
pesaram o choro. Talvez a palavra adequada não seja "desejo", uma vez
que convencionamos o uso deste termo para os conceitos libidinosos ou gastronômicos,
onde o "querer" açula-se em tamanho e potência. Pode ser! Vale a
dúvida. Mas, entre ser e não ser o melhor vocábulo creio que a liberdade de
expressão nos coloque diante de situações nas quais o conceito, hoje, seria
revisto por Aristóteles com grande ênfase. Então, a humanidade herdaria uma
Nova Retórica assinada pelo grande pensador.
Apesar
do desejo ardente que sinto em discorrer sobre tais estruturas discursivas,
urge convencer-me, persuadir-me até, a refrear o devaneio linguístico e retornar
ao tema central. Em contrário, crio um quiproquó textual desnecessário.Voltando: o
desejo nos cerca e representa como um plasma indivisível. De que forma e em que
dimensões somos educados, convencidos a dar conta dele? Conformamo-nos em desejar e não obter o
objeto do desejo? Valemo-nos de quê instâncias para alcançar o que desejamos?
Desejamos por desejar? Herdamos geneticamente o desejo pelo desejo?
Desejamos e enlouquecemos? Aceitamos os
limites manifestos de nossa vontade? Quais os limites traçamos em torno do ato
de desejar? Depende do objeto, da hora, da situação, do contexto?
Os
processos em torno do ato de desejar apresentam efeitos colaterais. Controle e
frustração são mecanismos que indiciam a participação dos elementos da razão em
detrimento da vontade, do líbito, da ânsia, do anelo. Quando e como nos valemos
da educação, da disciplina e da consciência? Há de se buscar pelas páginas
midiáticas os exemplos da contemporaneidade. Possivelmente, Quintana, uma vez
mais, fez da poesia um axioma irrefutável:
"Só o desejo inquieto, que não passa,
faz o encanto
da coisa desejada (...)"
Mário Quintana
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