QUANDO O DESPUDOR VIRA ROTINA
O PONTO DA
QUESTÃO EM ABERTO NÃO É ECONOMIA…
Quando o despudor vira rotina
"A
corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade
é uma coisa
muito nossa. "
Jô Soares
Esbulho,
desgabo, devastação, pilhagem, dissipação, malversação, assolação, abafo, jia,
rapina, e tantos
outros verbetes aparecem no mesmo campo semântico da palavra primitiva (furari, v., latim) que, escrita aqui,
admitiria um quê de desrespeito e uma ponta de indignação lexical. Só lexical?
A preocupação com as metáforas pode ser um sinal de nossa incompetência ética:
EU FURTO... ELE FURTA... ELES FURTAM... Eu
furto: posso provar? Ele furta:
não posso provar. NÃO? Eles furtam:
virou rotina comprovada!
Na
trilha dos grandes lambões (os que
ocupam cadeiras acima dos simples e perecíveis assentos populares) alguns lambões de pequeno porte são pegos pelas
redes ecologicamente atiradas ao lago da raubãn-
germânico; raubare - latim; roubalheira, para
quem vê no latim e no germânico tão somente uma questão de evolução linguística
involuntária para os saques que marcaram a história do aprovisionamento
ilícito. Redes ecológicas são estratégias de diplomacia, não necessariamente de
justa colocação: pesque, pague e devolva! Ecologia pura que aciona os
mecanismos de defesa em grupo, melhor: em "quadrilha". Pesado acionar
um assunto tão desgastado e que não alcança sentido prático. Sabemos que tal
qual está não está bom, e que nem todos os caminhos levam ao ponto nevrálgico e
urgente: saneamento ético-político. Como chegar ao tratamento das situações que
são conhecidas em sua natureza plena e parecem exigir ações heroicas e
hercúleas? E não é de agora. O tempo, espelho de nossas decisões, cobra o
silêncio e a dilapidação dos direitos civis nesta pátria de berço
peremptoriamente devastado. Para os otimistas, "o gigante acordou".
Sendo otimista e recheada de esperança, não vejo este despertar. Há tantos
interesses em jogo que a vontade política individual e social mascara-se até
mesmo quando se despe em praça pública. Sim! Credito poder às manifestações do
povo brasileiro, mas ainda não acordamos o suficiente para retomarmos o leme da
dignidade, da cidadania, da consciência política. O processo pode ter começado, mas há tanto a
lapidar que as gerações futuras, bem futuras, muito futuras, talvez vivenciem o
começou hoje com um rastilho de boa vontade e saturação.
Conjugar o
verbo furari nas pessoas e modos de
seu tempo deixou de ser um exercício linguístico e passou à dantesca rotina que
cerca a brasilidade contemporânea. Se não é de agora, poderíamos mudar a
direção do leme? Sem especular sobre as "naus" que aqui aportaram,
lançar um novo rumo é possível? Terra à vista! Nem o uso da crase nos ajuda a
esclarecer o sintagma de muitas faces. Com crase, um sentido, sem crase, outro
valor, sem a preposição, mais uma possibilidade. Ai! Línguas que nos
representam, fundam e afundam! Perdoai os vossos e os nossos desvios! Perdoai
os frêmitos de palavras que se esvaziam diante de mea e nostrum
incapacidade de invocar os sentidos aludidos, fundidos e cruzados na linha da
corrupção. Ai! Línguas que se apegam a detalhes contrários à salvação. Terra a
vista! Terra vista! Terra à vista!
"Salva temet ipsum si potes..."
("Salve-se
quem puder." Livre tradução da autora. Livre?)
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