CLEMÊNCIA...
APAGARAM
O SOL
-
um fio de vida esconde-se das nuvens carregadas de ódio -
“Não é difícil escapar
da morte. (...) O mais difícil é escapar da maldade, pois ela é mais rápida do
que nós.”
Sócrates
Veio a dor
depois da dor. Dor amarfanhada em camadas de pó de vidro: pontas cortantes
alojadas dentro e fora do corpo enlutado. Dor do silêncio sem as vozes que
passeiam pelos sentidos e emoções de vontade, parentesco, amizade e aconchego.
Dor calejada no corte das alegrias carregadas em abraços quentes.
Braços sem vida pendem
ao lado de corpos vazios, lágrimas criam sulcos pela face da perda, vultos assustados
escondem-se por trás das portas escancaradas, olhos petrificam-se na injusta
retirada; mãos alcançam o nada e voltam vazias de alguém.
Alguém corre
sobre o rio de sangue que plastifica a história atual em história
processualmente antiga: perene história no vinco do tempo de hoje e de ontem, tresantontem, anteontem.
O conflito não
pede passagem pelas vias dos acontecimentos: avança tomando o lugar de poder e maldade, bancada nefasta que instala conceitos triturados na máquina
da violência investida; estratégias de poucos, morte de muitos.
A fornalha da
iniquidade usurpa à boca grande os corpos sem nome, os sonhos interrompidos, as
ideias sem esboço, a poesia a caminho dos versos. Mata-se o homem, enterra-se a
esperança. Órfãos do amor e da paz procuram pelas mãos da justiça universal,
comum ao ser social: contemporâneo hominídeo, homo erectus , primatas fossilizados pela ignorância glacial.
Mata-se o processo da evolução na prancheta do tempo. Que tempo?
Morre o sol da
carne, derrama-se o ventre da terra sobre a crosta de barbárie e as almas
peregrinam pelas trilhas da partida impensada. O resgate da vida espreita das
frias salas de convenções, dos espaços "politicus" passados ao
ferro dos interesses para além do Estado de fato. Fato! "... o homem é um animal político..." A
máxima do filósofo de Estagira
transpassa hoje um eufemismo irônico e doentio. Teria Aristóteles antevisto o animal sapiens em seu avantajado e ímpar
poderio de esmerada devastação?
Um legado
tortuoso encobre o sol da terra mas não abafa o grito de multidões: grito em
uma única nota, tortuosa nota que inicia e termina em /dó/. Não há frases
musicais, não se ouve a cantata das etnias esfaceladas em pré-interesses; mãos
assassinas escondem-se por trás de decisões escusas, trucidam inocentes e cegos
caminhantes da/s/ polis/poleis aglutinada/s/
em currais de abate: úteros violados.
Sacrílegos servos da intolerância inauguram
mais uma era mortal. Que não se espere camadas de sal para encobrir os pecados sociais. Pois, em existindo
pecado, há de se pensar que tem a face da indiferente apatia que nos guia e
entorpece diante do mal. Em existindo
o mal, que seja identificado nas carteiras daqueles que não representam o bem comum, o
senso de comunidade e nem fazem votos à sapiência confiada: nódulo aberto
na espinha dorsal da humanidade.
Apaga-se o sol dos olhos viventes.
Apaga-se o sol de um agora
cristalizado em sangue inocente: o frio caminha a passos largos e os mantos foram recolhidos por mãos
homicidas, nem sempre molhadas pela vida que escorre ao largo das calçadas.
Mãos assépticas
comandam a história não contada, desfalcada das entrelinhas que explicam a
intrincada trama dos interesses de poucos sobre os muitos desavisados.
Existem inúmeras
nuvens entre o sol moribundo e o nosso desconhecimento controlado. Nuvens grossas e não identificadas pesam na abóbada das
lideranças : o firmamento desfigurado não tem mais lastro para o choro que sobe
da Terra. Choro de uma nota /só/. Choro que se anuncia em /dó/.
Ivane Laurete Perotti