TEXTO JORNAL PENSAR A EDUCAÇÃO, UFMG/FaE/nº 218
UM INTERVALO
SAUDOSISTA NA SALA DOS PROFESSORES
As pessoas precisam de três coisas: prudência
no ânimo, silêncio na língua e vergonha na cara. (Sócrates)
Após as tormentas
do verbo, as barricadas da liberdade alcançam as frases. Mais uma madrugada de
lamentos não ouvidos varrem os fatos para debaixo do tapete puído, da cama sem
lastro e da janela sem vidro. Houve um tempo em que uma canção levava o nome da
música na moldura da pauta: quadros de vozes e instrumentos a favor da
esperança. Houve um tempo em que sonhar não era um evento psiquiátrico e valia
dizer por onde andava a vontade de fazer da felicidade um momento real - mesmo
que por míseros segundos de volátil solidez. Houve um tempo em que os heróis
plantavam e colhiam a luta diária de manterem-se em pé sobre as dificuldades da
própria história. Houve um tempo em que a história não era o resultado de
tantos e tão portentosos jogos de manipulação: teoria da conspiração? Teoria da
exterminação!
Então, o que deu
errado? Não sei. Parece justo e sábio
argumentar em legalizado estado de negação; mas, envergonho-me pela
desconfiança em sabê-lo, posto conviver com os retorcidos acontecimentos cuja
ignorância alimentada pelo desespero transforma-nos em joguetes de pouca monta.
Assim foi e assim será..., disse-me a
colega sentada na ponta da grande mesa na sala dos professores. Não
aceito! e tem início uma controversa e saudosista conversa entre os
professores de plantão. Que encontras de
mais humano? Poupar a vergonha de alguém! (Friedrich Nietzsche).
Sinto vergonha
alheia. Assumo senti-la em minha pele, em meus olhos e na alma que teima
habitar-me por tempo indeterminado. Sinto vergonha por desconhecer a medida
interna de minha indignação e a manifestação externa de meu descompasso. Sinto
vergonha acompanhada de uma dor sem nome, algo que teima lembrar-me que ser
heroico não prescinde de largos movimentos, que somos todos, absolutamente todos perecíveis: esta é a palavra
deslocada na frase das tormentas. Escolho-a com dedos tortos:
p-e-r-e-c-í-v-e-i-s! Somos falhos, certo. Mas a epidemia não é a Dengue, o vírus Zyka, a Chicungunya, que
dão graves sinais de retorno. A epidemia é a política de desvalidação da
humanidade.
Afirma um
colega:... somos zumbis da dignidade,
homens sem vergonha na face - face? sem
vergonha na cara, na alma, nos olhos
- corremos para o podium da descaração,
do descaso, da brutalidade gratuita, da lei do mais rápido.
Interrompe em alta
voz outro colega professor sentado na cabeceira oposta da mesa: Essa é a lei da natureza: sobrevive o mais forte...
ao fogo, os demais!.
Ao fogo do
esquecimento, ao fogo do descuido, ao fogo do demérito, ao fogo da humilhação:
à morte por ausência de cultura, educação, alimentos da alma gentil.
Talvez a natureza
tenha leis inflexíveis por conta do universo no qual precedem a existência das
coisas e a sucessão dos seres! Mas, aos animais selvagens ainda há o crédito da
irracionalidade. Ainda, posto estarem a
sinalizar a evolução de sentimentos e emoções que em nós rareia e desaparece.
Sinto vergonha. Morre em mim a vontade poética de salvar este texto da desgraça
verbal. Às barricadas da verdade, que
não se descubram obstruídas pelos pontos e vírgulas, eternamente presentes nas
histórias que têm dois lados: dois? Penso na matemática das ilusões e imagino a
tal “nova” escola privatizada que parece agradar a tantos. Sem palavras. Para a
escuridão de um único texto, basta começar por onde termino: morre em penúria o
povo deste país de lobos esfomeados. Peço desculpas retóricas aos Canis lupus, naturalmente fora do espectro desta metáfora triste!
O que deu errado?
Ivane Laurete
Perotti