SILÊNCIO
_ Silêncio!
_ Shhhhhhhhhhhhhh!
_ Xiiiiiiiiiiiiiiiii!
O sol toma solto o dia
que avança. O horário das aulas intercala momentos de extremo caos com caos a
todo o momento. Nesgas de silêncio não ganham espaço no auge daquelas vidas:
celulares à mão, lembram o homo erectus
em busca de comida. E é “comida” a palavra que melhor recorta as buscas que se
expressam sem definição. Busca-se por um alimento em grande oferta no mercado
das informações. Servidas em pratos quentes, salteadas com óleo em fogo alto,
chegam à mesa dos comensais atendendo a todos os gostos.
_ Silêncio! Vocês não
querem aprender?
_ Nós aprendemos...
Todos sabem um pouco de
tudo sem saber um pouco de qualquer coisa. O trocadilho empobrece a cena, mas
reforça a deixa: no contexto que faz aflorar tantos dizeres, quem padece é a
palavra. Despida, violada em sua etimologia mais rasa, não acumula o carbono da
semântica 14 – distante a possibilidade de pensar a palavra como signo marcado
pela subjetividade e a ela subordinado. Melhor: acumula o uso disseminado de
uma ideologia não verificada, perigosa ideologia da neutralidade. Somos a
sociedade da reprodução lexical. E se isso fosse simples, a lógica linguística
parabenizar-se-ia pela luxuriante reprodução. Não é simples: é complexo e
solitário o conversar entre as gentes.
A maior disputa aparece
em sala de aula. Um professor contra os prazeres da mídia do entretenimento.
Uma escolarização precária contra os instrumentos de motivação atingindo a
todos os sentidos que Aristóteles não poderia prever.
_ Silêncio!
A trama da informação
considerada necessária – currículo escolar -
e a urgência da informação nova, rápida, superficial, contagiante,
viciante – mídias - elegem estratégias épicas no combate ao lugar e à vez. Quem
vence? Ninguém! Alforriados pelo alfabeto básico (mínimo?), vorazes pelo
“viralizado” momentâneo, incríveis criadores de “memes”, segregam-se dos
forasteiros deveras ingênuos e encarquilhados que procuram sentidos tal qual o
dito que procurava “chifres em cabeça de cavalo”. Alguém ainda imagina que
celular é telefone? Telefone? Nem!?
A velocidade engoliu o
tempo e nos deixou eunucos de palavras.
_ Silêncio!
_ Professor, chega de
pedir silêncio!
_ Eu quero a atenção de
vocês!
_ Estamos atentos!
_ Agora é aula! Au-la!
Larga o celular!
_ Professor, a gente
consegue fazer tudo ao mesmo tempo.
Correção: estamos eunucos,
mas não de palavras. Estamos eunucos de sentidos, de saboreamentos, de silêncios apreciáveis ao pé do ouvido do mundo.
Enquanto guardamos no bolso da memória algumas
poucas combinações alfabéticas capazes de nos manter ativos na teia das
informações fugazes, acreditamos saber muito de tudo e seguimos analfabetos da
vida – quando não da própria língua.
*Este texto é um dos empuxos provocados
pela boa vontade de um Professor de Experiências e a leitura do BONDÍA, Jorge
Larrosa. Notas sobre a experiência e o
saber de experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi, Revista da
Unicamp nº 19, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf
e ACESSADO TODOS OS DIAS.
https://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/incapacitados-para-o-silencio/