OLHARES PULVERULENTOS...
CONCEITOS SOB
TORTURA: FACES OCULTAS DO MAL
“Pensei
o quanto desconfortável é ser trancado do lado de fora; e pensei o quanto é pior,
talvez, ser trancado no lado de dentro.”
Virginia Woolf
Temo
os lugares comuns que a civilidade
instala como lugares de sabedoria. Temo também os lugares de sabedoria: não sei onde começam uns e terminam outros na cadeia
das maquinações estéticas.
Tangidos pela densa peneira das ideias
prontas, parece fácil alongar os olhos por entre os furos de visão inacabada.
Olhares pulverulentos recortam a aparência das coisas falseadas em realidade e os ditos são repetidos na indecência das vozes sem dono: tortuoso caminho
da referenciação desvalida, triste vereda para a fundação dos discursos alheios.
Dizer do outro, o semelhante dissociado pelos conceitos de verdade e mentira é
espelhar a si mesmo duas vezes: de dentro para fora e de fora para dentro.
Robusto e infindável movimento de constituição e sujeitamento. Lunetas não salvaguardam
os signos da leitura corrupta: antes, capturam uma leitura e a disseminam como receita assinada pela arrogância.
Famigerada ação de tomar o conhecimento para si e trancafiá-lo em redomas
ideológicas: certo e errado provam-se em natureza de igual
corrente!
Por que falamos das sandálias alheias?
Pés descalços povoam o mundo e transitam pela
finitude dos acontecimentos: somos parte integrante daquilo que vemos e o que
vemos nos revela... well! Nem sempre
o que vemos é o que é senão o que somos: tartamudear é uma técnica aguçada,
dominá-la faz parte da rede de convencimento pessoal, intransferível. A ironia
fina também, mesmo que os nossos pés sejam incapazes de senti-la à sombra dos calcanhares de Aquiles. Aí pesam os
rótulos: um dicionário de improcedências constrói o léxico das expressões que
lembram outras, em eterna roda viva de dizer e repetir. Por que falamos? Talvez,
para subjugar os sentidos que não alçamos fora das instâncias argumentativas.
Ou, então, para fugir de quem somos, à revelia de já o sermos e das temerosas
possibilidades do vir a ser. Tornar-se é processo que desinstala o
pensamento em imagens sonoras, desintegra comportamentos tombados e multiplica
palavras: palavras são células vivas coroadas por heranças e evoluções. Mas, há
taramelas para todos os gostos: algumas são usadas para impedir o óbvio de cavar
sepulturas vazias em terrenos de pouca profundidade; outras forçam para fora o
medo da autonomia. Eis o processo da alteridade despindo-se em falsa nudez, uma
vez que a roupa do rei não está invisível à consciência tranquila.
“Tudo
o que vemos ou parecemos
não
passa de um sonho dentro de um sonho.”
Edgar
Allan Poe
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