MONSTROS E ESPELHOS...

QUANDO OS MONSTROS SE MANIFESTAM NO ORBE DA CIVILIDADE

                                               “Que monstruosidades poderiam andar nas ruas, se as faces de
       algumas pessoas são tão inacabadas como suas mentes?”
                                                    Eric Hoffer

                                     Dizer do que se vê sem medir o que se acredita sentir é dedilhar uma corda transversal armada sobre o peito ou esticada por debaixo do lugar onde o Cupido escondeu o arco. Se o escondeu, claro! Não! Não é tão claro quanto parece enxergar-se o que fica sob os holofotes da civilidade. A engenharia dos relacionamentos internos e externos obedece a parâmetros subjetivos e inconscientes no mesmo grau de tecnicidade com que recita as leis da obviedade científica. Bom, obviedade é um termo politicamente marcado e não sei se serve ao quadro científico, mas, considerando as elucubrações de um texto que se arrima inocente e apresenta inacabado (sempre!), a terceira margem da semântica confere algum sentido à imprecisão da lógica insustentável. Lograr êxito no campo das considerações pode ser maçante e inglório. Quanto mais se escreve acerca de um assunto, mais se encurta a possibilidade de torná-lo compreensível e mais se expõe a parca inteligência. Reveses metodológicos (aqui, assumidamente grafado com /s/, apesar das diletantes discussões morfológicas ainda vivas pelos corredores acadêmicos.) Mas, a cutucada lexical do tema em destaque advém de uma cutucada real: até onde as fantasias de minhas sinestésicas impressões permitem a experiência. Encontrei um monstro. Não! Mais de um e todos eles carregavam um espelho voltado para a aminha própria face. Desgostei dos traços incertos dos lados nada antagônicos: onde começava a face alheia e a partir de que momento eu a reconhecia? Reconhecia e desejava furtar-me ao momento doloroso. Quantas faces carrego entre meus botões caseados? Quantos monstros aguardam-me atrás do próximo espelho?
                               Parece pertinente, senão romântico (pelo menos para todas nós que nos deixamos apaixonar por ele), lembrar Quasímodo, em O Corcunda de Notre Dame (inspirado na obra de Victor Hugo) arrastando, deformado, sua bondade de tocador de sinos pelos quadros sombrios da Catedral. Parece! A deformidade de Quasímodo não lhe confere monstruosidade, muito pelo contrário: sãos os civilizados olhos externos que lhe desconhecem a perfeição e a bondade. Típicas antevisões estéticas de gosto e presunção acerca do singular, tortuosos caminhos das categorizações sociais. Quasímodo é a personificação da monstruosidade espelhada, pré-concebida, dirigida, do outro sobre o outro, no interminável jogo de poder e controle absolutamente humano e agora, ainda mais aperfeiçoado. Mas ele é um afago aos amores leais, e a Cigana Esmeralda foi uma mulher de grande sorte e força, pois lutou contra os seus próprios monstros no colo da fé e da dança.
                               No orbe de nossos encontros, vale carregar no bolso um espelho de dupla face. Ou...
        
Quando todo o mundo é corcunda, o belo porte torna-se a monstruosidade.”

Honoré de Balzac

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