SOB O SOL DA ESPERANÇA
SOB
O SOL DA ESPERANÇA
“A ideia do futuro, prenhe de uma infinidade
de possíveis, é, pois mais fecunda do que o próprio futuro, e é por isso que há
mais encanto na esperança do que na posse, no sonho do que na realidade.”
Henri Bergson
Nos
movimentos da vontade, mais de um cravo atravessa os dormentes que suplantam a
base do caminho recém-aberto ou há tempos mantido refém pela horda atávica dos
sonhos inalcançados. São caminhos por onde as lagartas reinam em pé de igualdade
na cadência delicada das patas cerdosas. Sempre prontas para o devir deslumbrante de quem sabe a quem
se apresenta, elas vão e vão sem titubeio na direção do espaço em branco
desenhado no vácuo do que ainda não é. Lagartas carregam o segredo da esperança
silenciosa.
Além
delas, esferas de força e poder gravitam em torno de si mesmas deixando um
rastro continuum de graciosas pistas
aos homens de farta vontade: sequências e comportamentos são repassados
inconscientemente. O homem aprende com as lagartas e com os círculos. E enquanto
o modelo fala mais alto, a lamparina escondida em algum lugar da mente lúcida
aponta para o exemplo individual: eu
posso, eu posso, eu posso. Posso?
Novidade é o tempero oloroso marinando no
cadinho das crenças emocionais. Borbulham novas misturas entre os excertos manipulados
da perseverança, contemporâneos e viscerais, pintam cores onde a natureza dos
fatos ainda não fecundou o acontecimento. Espelhos da realidade causam ilusão e
ilusões são como pérolas amealhadas de ostras grávidas em ciclo não gestado. Assim
vamos nós, da fecundação ao puerpério de ideias e vontades, projetos e sonhos,
fazendo nascer o inascido. Extirpe-se
a esperança natural e própria das veias abertas que carregam mel e sangue e
então se verá que pouco sobra. Em sobrando!
Grande abismo se interpõe entre o sentimento
da esperança e a natureza de sua concepção: existem aqueles que preferem o
abismo. E é tão somente uma preferência cujas razões devem manter-se longe do
palco das justificativas e dos julgamentos. Enquanto existem aqueles que vivem
entre o pré-abismo e sofrem as escoriações próprias da queda antecipada. Marcas
descem pelo corpo ainda no ar, feridas purgam o líquido vazio de suas
catacumbas metafísicas: perder a esperança é sofrer duas vezes antes de o
acontecido acontecer. Ainda, há os que usam a esperança como um manto de intransponibilidade:
eu espero, eu espero, eu espero. Salvaguardados os limites do óbvio, quem sabe
quando manter a esperança ou quando trancafiá-la no porão das crenças inócuas?
Porões também
surgem de um tipo de esperança: a esperança cansada de si mesma. Tautológico e
desnecessário informar-nos acerca dos inquilinos que alimentamos? Nem sempre! Às
vezes, os inquilinos famintos nos chegam antes do tempo e desarrumam o porão
escuro. Às vezes, apenas fazem barulhos para afugentar o medo do próprio medo.
“A esperança é um alimento da nossa alma, ao qual se
mistura sempre o veneno do medo.”
Voltaire
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