PALPÁVEIS ...
PALPÁVEIS
MUROS INVISÍVEIS
" O maior pecado para com os nossos
semelhantes,
não é odiá-los mas sim tratá-los com
indiferença; é a
essência da desumanidade." Bernard
Shaw
A indiferença é uma
desculpa descalça.
Quando o mundo interior cria calos por pisar indefinidamente a mesma obscuridade, os pés da consciência
alçada cedem lugar às justificadas cegueiras de ocasião, tão em uso na
contemporaneidade: se o rojão da injustiça atingir o outro, desconhecido que vira notícia com data marcada para deixar
de ser interessante, a indignação não sobe tão rápido dos intrincados labirintos
da compaixão; mas, se o rojão dos fatos injustos viola as leis da particularidade,
aí, os brados têm matizes da raiva reprimida, estocada, e o homem assume-se
centro dos acontecimentos. Quando não cala, definitivamente, em função do baixo
estoque de raiva amalgamada ou pela cristalização de situações repetidas sem
fim e sem resolução. Depende. Depende sempre de quem é o calo, o fato, e a
situação. Feito roda gigante com o eixo central mais para frouxo, carcomido,
desregulado: os visitantes títeres sabem dos riscos, mas afinal, viver é um
risco que deve atingir apenas o outro.
E indignação é um conceito politicamente marcado: quando interessa a quem, o
quê e em que ordem.
A indiferença descalça levanta muros externos e internos. Os internos,
discutíveis pela natureza subjetiva e volátil; os externos, popularizados pela
ordem do " sobrevive o mais forte
", quando, por forte se entende aquele com a menor capacidade de
sensibilizar-se, envolver-se, " meter-se em cumbuca alheia". É
interessante, quando se tem estômago dialógico e dialético não muito irritável,
mergulhar na plenipotência do jogo dos sentidos e das sensibilizações.
Especialmente as que rondam apoteoticamente a feitura discursiva dos quadros
ideológicos ( e torturantes) nos atuais ( e sempre!) ad aeternum/eternum horários
eleitorais. Para deixar a figura mais hiperbólica: todos os muros caem diante
dos nossos sensíveis e bem intencionados candidatos. Alguns poucos até
conseguem assumir verbalmente, labialmente, lexicalmente a espessura inabalável
dos muros que constroem em torno de verdades e legalidades. Que medo! Que medo!
Que medo!
Eis a riqueza de nossa social democracia linguística na convenção do que consegue convencer quem daquilo que mais interessa: quando
sensível pode ser uma estratégia de campanha e quando os muros, altos e pesados
muros do preconceito, da injustiça e da desvergonha
nacional viram moeda de troca. Afinal, para que serve a dor alheia, se não gerar
um projetinho aqui e outro lá, amparando as ambições politiqueiras de seres
humanos inabalavelmente envolvidos com o bem comum, razão de tantos e tantos
investimentos pessoais? Pois, falar de muros,
indiferença e sensibilidade depende
do contexto e do interesse. Nada é tão puro, pungente, tocante, instigante
quanto os discursos ouvidos nesses períodos de eleição para representantes do
povo brasileiro. Nada é tão claro quanto o que não se diz. Ou se diz sem dizer,
ou se diz para não deixar o dito
aparecer de repente e fazer um discurso por si só. Ironia sem freios! Como
falar do bem sem manchar alguém? Os muros não são invisíveis, mas
nós apreciamos que continuem assim, enquanto o contexto não esburaca pontos
sensíveis de nosso próprio conformismo, comodismo e conforto instalado. E haja
luz para que, um dia, quem sabe, talvez,
a indiferença seja motivo de real indignação.
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