QUESTÕES DE ECONOMIA

PORTA DOS SEGREDOS  VERSUS  CALÇADA DA FAMA

     - onde se escondem a riqueza e a felicidade?-

            "Um dos grandes segredos da sabedoria econômica é saber aquilo que se não sabe."
             Galbraith

                                            Uma cadeira à calçada: carcomida madeira guardava as horas lentas do dia. Invariavelmente, sobre ela, as ancas de Dona Minó. Nonagenária confessa, tripudiava da saúde jogando juventude a quem dela precisasse:
                                           _ Deixe a vida trabaiá, fia! Quem sabe fazê fica quieto!
                                          À risada sem freio seguia-se, quase sempre, a incompreensão do transeunte. Conhecido ou não, servia à interlocução de Dona Minó quem quer que passasse pela calçada. A deixa era a vida servir-lhe tal prato em abundante euforia: a calçada, invenção de quem procura escavar trabalho à unha, oferecia toda a sorte de passantes. Havia aqueles que, quase ou sempre tropeçavam na sábia senhora. Aqueles que não andavam com os pé no chão: voavam em carreira baixa e afogueada como se algo os perseguisse pelo lado de dentro. Outros que se arrastavam pedindo às pedras da pavimentação para  engoli-los sem mastigar. Ainda outros, chorosos das dores impróprias e repetidas que, malgrado os dissabores diários, encontravam à sombra da vida um espaço para destilar responsabilidades: cobras silenciosas, feras desdentadas, segundo a Dona Minó. Criaturas muito perigosas, capazes de provocar arrepios na parte de trás da cabeça e mais abaixo, na frente, um pouco acima do istômigo. Gente azeda! Procuravam selviço no lugar errado só para dizerem que a culpa não era deles e depois, como quem não sabe de nada, sentavam embaixo da primeira árvore frondosa para roncar a preguiça comprida. Ela sabia, bem sabia, fizera um filho desse porte e não conseguia dizer a quem puxara o dito cujo. Quando menos dava por conta, lá estava ele, reclamando do que ou quem estivesse mais perto: das horas do sol e do tempo das chuvas; do trabalho mal feito ou por deixado de fazer; da falta de trabalho e do dinheiro que desconsolava os bolsos das calças vazias. Era assim: nunca sentara com ela para aprender o que não sabia. Filho desnaturado, saíra a tempo de dizerem que não era seu. Mas, nascera dela: lembrava-se das dores no dia em o parira, das compressas e rezas para ele soltar o intestino preso, das xaropadas para fortalecer o pulmão fraco, das perninhas finas, teimosas em pegar peso. Devia ter tomado o mesmo gosto por aprender que fizera sua família conhecida em outros campos. Filho de Dona Minó não negava o berço. Melhor: quase nenhum filho de Dona Minó negava a origem. Mas até nas melhores famílias, acontecia um assunto inacabado. Ele morava nas preocupações maternas. Morava e nem pagava aluguel. Um caso de muito desassossego em tempos de economia moderna, e disso, Dona Minó entendia melhor do que qualquer outro presente, passado ou passante daquela calçada. Tempos difíceis! Trabalho duro para quem não tivesse ciência da vida. Coisa que lhe sobrava e oferecia sem cobrar!
                                      _ Tem que sabê prá ficá quieto, fio! Tem que sabê...
                                      O filho não tinha disposição para ouvir e ela, ela estava bem calçada na calma da sabedoria de quem aprendera a fazer procurando o segredo atrás das portas. Todas as portas se abrem quando a fechadura é colocada às claras. Precisava-se aprender antes de fazer. Depois, mandava ver a vida quem sabia o quanto ela rendia. Coisas de antigamente!
                                      A sapiência da vivida senhora descansava sobre a cadeira de igual tempo. E quem estivesse com paciência para aprender, aprendia! Quem não a tivesse, descobria as calças vazias!

"O nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado: nele se encontram os segredos, incluindo o da felicidade."
   Chaplin

Texto: Ivane Laurete Perotti
                                      

Postagens mais visitadas