ROMBOS E TOMBOS

POLÍTICA DA SECA

                        - rombos na medida do insuperável -

 " ...sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito."
  Manoel de Barros
     
                              
                                       Da boca das nuvens derrama-se o grito: esturricado, estatela-se aos pés de tardia comoção. Homens descalços batem no peito, sem jeito de compreender. Uma cortina de pó veda o rosto: desgosto. O que se há de fazer?
                                      Geme a terra em agonia simétrica: abertos em concha, fendem-se os lábios ansiosos. Fissuras de uma ilusão? Marcas do líbito medido em estratégias de farto descaso. Estripulias do poder centrado em mãos sem tino que, de pronto, esquecem o evento, e sem tempo, não planejam proteger o homem no ciclo que mais consome, gera fome, trágico nome: destruição.
                               Seculares aleas montam guarda na caixa da natureza. Empresa habitual, movimento dos ventos, convecção. Sem pressa, um tempo depois do outro, como se fosse sina, pontifica e ensina o que, ao homem, urge  aprender. Escola sem ônus, cobra o tônus do deixar de fazer.
                                      A sede, aquarela sem trela, retrata o caminho do anelo, singela proeza, perpétua certeza: sofre a Terra, perde a peleja, viral correnteza do sim, do talvez. Sorvida, a fonte chora lágrimas secas. E, aos montes, há quem conte: aconteceu outra vez!
                                     Mazelas da sorte, quase morte, na estiagem surge o mito, agito: águas vão rolar, hoje e sempre, desde ontem, na ordem  do infinito. Apura o rito! Soa o apito. Marcha lenta, isenta. Sem plano, vai-se o ano. Desfaz-se o manto protetor: árvores e bichos, homens sem  nichos, perdem o rumo, refletem a dor. Vulneráveis, correm diante da troca: desboca o lixo, detrito?  Lugar de despejo, abala o ensejo da escassez, ventos rotundos, ciclone oriundo, "célula de Hadley",  São José do nordeste, faz valer a promessa feita, salva a colheita, espreita: desce a chuva do céu. Escada de pedras, anulam as pregas, cosidas em regras de insensatez. É nove, dezenove, outros movem mais uma oração. Ventos alísios marcam encontro, ouve-se ao longe, nova canção. Monções?  Aracati, Cantarino, a Austrália não é aqui. Manda o El Niño baixar o compasso, Quixadá recebe em março, o atraso do sol, sem lençol, mudo e acuado, deixa entrever assustado, a força do carpinteiro, eterno herdeiro, das rogas dali. Ali, aqui, o clima alucina em sagaz rotina, cúmplice, não imagina: apaga, menina! a pipa vazou. O vento calado, desnorteado, empacou assombrado na curva do rio. Encharcado de choro, soltou-se do rolo, bendita pressão. Quando virão?
                                    Calcinou-se a terra, São Paulo espera, a chuva  aportou em Minas Gerais? Quem dera fosse tão simples, dizer com requinte: chuva! chuva! chuva! volta e encerra, este ciclo da esfera,  aumenta o siso, cria juízo, não falte: jamais!
                                        " É triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a ouve."

                                              Victor Hugo
Texto: Ivane Laurete Perotti

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