UMA CARTA

UMA  CARTA  DESTINADA  AO LEGADO DA HISTÓRIA PRESENTE
- in memoriam da honestidade -

 " Aqui jaz uma consciência tardia, enterrada sob o peso molhado de uma vergonhosa história de covardia." (Ivane Laurete Perotti )

                                  Prezado Inventariante:
                                    venho por meio desta lamentar-me  diante dos fatos omitidos. Sou, ou fui, um bacamarte da inconfidência brasileira e tenho a meu favor - se é que aceites os argumentos póstumos de minha culpa sem vergonha (peço escusas pela claudicância da ortografia da qual ora me valho, pois a sanção dos hífens ainda é uma pauta sem anelo na refração de minha nacionalidade exuberante) - a situação mundial de permissividade e banalização. Com tal quero dizer-te que, se aqui a "coisa"  está feia, por está bem pior. Ao largo de nossos dias, quem não adere , adire , em legítima mescla de tons e espaços em branco que em nada relembram a técnica Yoruba. Os panos que celebravam a herança anuída, por aqui servem-nos de mortalha à queda merecida. Não rimo! remo  sem  rumo na correnteza bravia de um mar tinto pelas sangrias desnecessárias. Se falho em clareza, julgo que bem conheces as referências de minhas alusões: confesso-me! Não me coube a delação premiada sem embargo da vontade pessoal. Fui levado por sobre os muros da inconsistência pública em ação deflagrada por mandados não mais do que tardios, a depender do ponto de vista de quem ficou sobre o mesmo muro vendo a banda passar.  Não! passar apresenta-se em forma verbal  infinitiva impessoal que trai a conformidade dos fatos pela vagueza  de sua expressão. A imprecisão não me cabe nesta carta que desenrolo à pena mínima. Devo escrever-te, prezado inventariante, que a banda  -  espero o teu aceite pelo valor da verdade não dita, pois  este último substantivo faz par dialético ( e não se distingue do processo análogo de  formação de quadrilha ) com o substantivo masculino do mesmo campo semântico /bando/ - não passou. A banda/bando não passou! Nem passará/ aqui ou acolá!/
                               Postulo ser da natureza humana explorar a ingenuidade alheia, e mesmo que se negue o contrário em argumentos concludentes: sou, ou fui, vítima de meu excessivo companheirismo e absoluta usura em contexto de invariáveis repetições. Acostumei-me ao poder da influência e ao tráfico de informações. Eu roubei, eles roubaram, nós roubamos com a consciência voltada para os bens comuns a nós - ainda passíveis de pilha, extorsão, furto, rapina, especulação. Se pequei por investir na concupiscência nacional, logro agora dizer-te que, em metáforas brandas, as correntezas da vida pública nos levam para terrenos abissais ainda não investigados. Quisera eu admitir-te que o espólio se processa em águas que te são conhecidas. Não! herdas a responsabilidade que também foi minha.
                              
                              Na atenção de tua insustentável paciência, subscrevo-me:
                                  EGO SUN FUR
P.S.  ( post scriptum):

" Abrid la tumba
 al fondo de esta tumba se ve el mar" (Epitáfio escrito na lápide de Vicente Huidobro / poeta chileno que nasceu em 1893 e partiu em 1948)


* ESTE TEXTO É FICCIONAL,  MESMO QUE SE PROVE O CONTRÁRIO


Ivane Laurete Perotti

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