MOLUSCOS
O
FLAGELO DAS MINORIAS
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a desigualdade social é uma estratégia para a manutenção do despotismo velado -
“Sem
a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais
perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso que toda a criação
autêntica é um dom para o futuro.”
Albert Camus
Durante
os invernos da alma, o homem constituído pela
e na consciência tenta justificar
o caos no qual se dá a própria imersão. Procura pelo invólucro social e
encontra a concha da prisão individual; descobre-se caracol em isolamento. Olha
o todo pelas frestas da casca calcária incrustada em zonas de segurança; não
olha: bisbilhota o mundo com as mãos às costas da indiferença. Torna-se molusco,
gastrópode terrestre: lesma! Não que as lesmas sejam indiferentes ao seu
ambiente, pois proliferam com amplitude territorial e geográfica, mas mantêm
preferência pelos jardins. Não por acaso, claro! E quando povoam as terras livres, tornam-se
produtos de consumo em requintados pratos à portuguesa, à alentejana, à moda do
barreiro: outra obra que não advém do acaso. Estratégias gastronômicas de
controle e consumo apurado. Estratégias do poder concentrado em habilidosas
mãos.
Entre os
jardins obscuros de nossa sociedade, às lesmas cabem as panelas temperadas em
banho-maria: água e óleo marinam moluscos atabalhoados. A pressão do fogo
mantido à lenha de corte ceifa o direito às escolhas de viver, morrer ou suportar:
“Julgavam-se
livres (...) nunca
alguém será livre enquanto houver flagelos.” Abert Camus.
Na ordem da justiça, “Não há ordem sem justiça”
(Albert
Camus), as lesmas são minoria. A sopa
social é antepasto no banquete do despotismo: os comensais identificam-se
por jargões alinhados à mesa das decisões. Para poucos, muito; para muitos,
quase nada. Nada além de discursos emocionalizados de convencimento e
persuasão: modus operandi de governos
arbitrários, coercitivos, centralizadores. E o habitat dos moluscos? Desviada a atenção sobre a fragmentação dos
jardins, as lesmas perecem em colônias destituídas de poder de escolha, de
educação para a cidadania consciente, de saúde para manter a casca calcária,
sem prazo e fundos para o seguro social, desvalidos e desautorizados de seus
direitos à sobrevivência digna.
O discurso da
multiculturalidade esconde a exclusão devastadora; nos jardins obsoletos, os
gastrópodes fenecem em panelas de desigualdade: nem todos nascem na cor das preferências,
nem todos possuem o credo de preponderância, nem todos negam a origem quilombola,
nem todos branquearam a herança indígena, nem todos... nem todos... nem todos...
vivem a dignidade em parelha cidadania.
As lesmas e os
homens perderam a liberdade, “Se o homem falhar em conciliar a
justiça e a liberdade, então falha em tudo.” (Albert Camus)
e mantêm curta memória: “Todas as
revoluções modernas contribuíram para o fortalecimento do Estado.” Albert
Camus.
Ivane
Laurete Perotti