REALIDADE DO EMPOBRECIMENTO
IMBONDOS
A CARGO DA
INÓSPITA REALIDADE
-
o improviso que confere outras significações à sustentabilidade –
“(...) Liberta o homem,
e ele criará.”
Antoine de Saint-Exupéry
Hipácia
de Alexandria, nascida no Egito, por volta do Anno Domini 370, pode parecer, aos incautos, não ter qualquer
relação com a capacidade mineira de significar-se linguisticamente e de
improvisar diante dos necessários ajustes que a realidade obriga. Só parece! A
primeira mulher de que a história tem notícia a galgar fama internacional no
universo da matemática, da botânica e da astrologia teve a sua pele violentamente
arrancada por enfurecidas mãos masculinas, esquartejada e queimada em uma pira
de ignorância e medo. Por séculos e séculos a leitura foi proibida às mulheres
e aquelas que burlavam os costumes eram classificadas como histéricas, neuróticas,
desequilibradas. Fortes como o vislumbre
da liberdade, mulheres sedentas de conhecimento tomaram consciência do mundo
unindo-se na leitura proibida: aprenderam muito cedo a improvisar, a imbondar diante dos riscos de ler e ler
demais.
“O
maior inimigo da criatividade é o bom senso.” (Pablo
Picasso). Se o bom senso estreitado pela sobrevivência das mulheres em uma
sociedade absolutamente masculina não ceifasse o medo em sua raiz mais
profunda, não teríamos hoje outro significado para a palavra mineira, conhecida
à boca pequena como gambiarra.
Prefiro lançar o viés pejorativo aos túmulos das impraticabilidades insustentáveis
e alçar a palavra imbondo ao campo da
criatividade ecológica: “O segredo da
criatividade está em dormir bem e abrir a mente para as possibilidades
infinitas. O que é um homem sem sonhos.” (Albert Einstein). Assim fazem-no
os valorosos mineiros no interior produtivo de Minas Gerais. Livres, dormem o
sono das possibilidades valendo-se de seu entorno; o que parece certa bagunça, nada mais é do que o
esforço digno de burlar as precariedades da vida e recriar oportunidades para o
plantio de novos sonhos. Eu imbondo,
tu imbondas e nós aprendemos a
refazer o caminho do que é ditado por falsidades filosóficas a favor de
comportamentos que direcionam o lugar dos sujeitos na sociedade eivada por
maquinações valorativas.
Se, a
partir do século XIX, entre as mulheres e os livros criou-se uma relação de
poder contra o ostracismo, o desterro social e o aprisionamento intelectual, há
de se inferir que o conhecimento pode imbondar
o vazio da existência com sentidos ressignificados: libertar pela imaginação,
pela criatividade, pelo pensamento crítico é tarefa política antropologicamente
provada. E nos laços do retrocesso
educacional que impacta este país de desassistidos intelectuais - e não se pode
pedir desculpas pela generalização diante do empobrecimento educacional dos brasileiros -, o pensamento crítico
será enterrado por camadas de maquiavélicas propostas institucionais. As vozes imberbes que aprendiam a passos
lentos despregar-se das cordas da
aniquilação social parecem morrer mais a cada dia. Morrer mais equivale à triste metáfora do silêncio consentido.
Que Brasil é este?
Talvez devêssemos
aprender com os mineiros do interior do estado a prática da imbondação e garantir a esta nação alternativas
plurais de ação participativa. Parece desejar demais, mas diante do triste cenário,
voltar atrás é perder a única ponte semântica entre a esperança e a realidade:
liberdade consciente.
À Hipácia de
Alexandria e aos meus alunos de Fonética e Fonologia por ensinarem a arte de
renovação. Que sejamos mais, mesmo que em vultosas minorias.
Ivane
Laurete Perotti