FLAGELOS DA DEMOCRACIA
MANIFESTO
SILÊNCIO
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sob os pés do poder nada oculto –
“Julgavam-se
livres, mas nunca alguém será livre enquanto houver flagelos.” Albert Camus
Andava
descalço aquele menino. Se perdido, a informação não lhe batia continência. Se
angustiado, não se lhe apresentava a razão. A crueza dos pés nus cobrava uma
distância maior entre a realidade fria e o atrito ressentido: o árido caminho
desdobrava cascalhos em pontas de setas. Álgidas setas. Agulhas de coser.
Bainhas coladas no limite da consciência tecida em farrapos ideológicos.
Descalço
andava aquele menino sobre o solo de seus pais, dos pais de seus pais, dos pais
dos pais de seus pais: herança desdita! Maldita sucessão!
A descoberto da história que percorria,
andava. Se assim se poderia dizer daquele movimento autômato: andar não
significa mover-se para algum lugar; também o instinto carrega-se de força
oculta e não provável: insustentável desrazão.
Andava sem chegar o dia em que “...
para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acorda os ratos e os manda
morrer numa cidade feliz.” (Albert Camus). Não andava feliz,
isso provava. Desconhecia alternativas, isso demonstrava no balanço do corpo
pequeno. Não comungava entendimento, isso se refletia na sombra dos pés: um
atrás do outro, cadência medida nas pegadas anônimas.
Calcanhar de
Aquiles furado a toque de recolher: silêncio, menino! Não
chore, não coma, não fale, não leia as vidas desvalidas que lhe seguem ou
tombam no meio do caminho. Feche os olhos para o que se esgueira do outro lado
dos muros da falência social. Não peça por clemência nessa terra de crimes
enterrados sob o funeral da injustiça.
Não chore,
menino descalço. Não pense, menino, “... começar
a pensar é começar a ser atormentado” (Albert Camus). É isso o que lhe
desejam: não pense! Não pense, não pense!
“Pensar é, antes de mais nada, querer criar um mundo.” (Albert Camus) e um mundo é o que lhe negam agora.
Mundos
são criações de poder e legitimidade, esperanças que se erguem em terras colonizadas.
Mas, lacres de indiferença programada não rasgam fronteiras. Não chore, menino!
Desejavam contar
de suas andanças: silêncio! Desejavam dizer de seus movimentos: silêncio!
As páginas dos jornais amanheceram vazias de
vozes: silêncio verbal, silêncio visual, silêncio geral.
Manifesto silêncio ecoa pela nação de alguém!
Quem?
Que se registre o
inevitável: um país de “sísifos” enterra os seus meninos descalços e não rola
montanha acima as pedras de seus crimes. Eles, o meninos, andavam à cata de um
movimento de direito ao seu lugar de poder. Queriam o alimento da saúde, do conhecimento, da
arte, da filosofia, da mesa posta. Queriam cantar e sonhar. Queriam ler para
viver. Queriam viver para ler... para dizer, criar, construir, para fazer parte
da história não contada do lado de cá dos muros da falência instalada.
Silêncio! “A imprensa livre pode
ser boa ou ruim, mas sem liberdade, a imprensa nunca será outra coisa que
ruim.” Albert
Camus
Ivane
Laurete Perotti