JORNAL PENSAR A EDUCAÇÃO - FaE/UFMG
RÉQUIEM
PARA UM PROFESSOR: morte e vida sem cantina
Em uma roda de
conversa, um aluno do ensino médio diz ao seu professor:
_ Odeio tudo isso!
– grita o aluno.
_ Você poderia explicar o “isso”? – pergunta o
professor.
_ Tudo isso... (movimenta as mãos com veemência
indicando o seu entorno). Não vejo a hora de sair daqui.
_ Mas, esta é a “sua” escola!?- afirma o professor.
_ Minha escola? Não tem nada aqui que me
interessa... nada!
_ Poderia ser um exagero? Pense bem... “nada” mesmo?
– insiste o professor.
_ Humm... é!, tem razão! Eu tenho interesse na cantina, mas apenas no
cardápio da quarta-feira.
Enquanto
os mais de 35 alunos riem em cúmplice concordância, o professor silencia. Seu
discurso volta pelo caminho das pedras e afunda-se nas entranhas das preocupações:
onde errei? Os brados dos alunos acompanham o humor ácido do colega que
expressou o pensamento comum. Onde errei?
O
professor visita a memória de sua época secundarista, compara o tempo e o
comportamento: tem dúvidas sobre o que mudou. Mudou? Mudou o quê? A insegurança
é a mesma, os hormônios da adolescência estão no mesmo diapasão, as salas
permanecem no mesmo lugar. E a escola? E os professores?
_ Professor? – é o aluno que o chama..
_ Sim? - responde o professor, enevoado pela
angústia profissional.
_ Você não vai argumentar?
_ ... eu também gosto da cantina às quartas-feiras!
A
sala irrompe em altas gargalhadas. Um tempo para o professor reorganizar-se:
ficar ou desistir? Assumir que não há um plano ou dizer que não “dá conta”?
Logo ele, tão cheio de ideais, recém-saído da graduação, com planos e metas.
Logo ele...
_ Você come a merenda da escola, professor?
_ Claro! Como e gosto muito!
E
a sala se divide:
_ Mas, você é professor... merenda é só para os alunos! Nem tem o
suficiente para nós!
_ Ah! Não! Prof... tirando o lanche dos meninos? Que
vergonha! Come em casa, meu!
_ Aí, fragra! Agora entendi prá onde vai o dinheiro
do governo: professor comendo a merenda dos alunos?
_ Ei! Professor também é gente! Tem fome! Qual é!?
_ Nada disso! O professor tem grana, bufunfa... pode
comê o que quisé!
_ E você gosta? Que absurdo, professor! A comida
daqui é muito ruim em qualquer dia da semana!
A
questão não era o cardápio da cantina. Um festim com chef subentendido servia pratos frios na escola pública: toalhas à
mesa, talheres dispostos à direita e à esquerda, uma colher para o antepasto, dois
garfos para a carne... carne?
O
gosto do desgosto ardia feito brasa. Que sujeitos eram aqueles? Que sujeito a
escola queria? Que escola os sujeitos desejavam?
Qual
é o prato do dia na escola pública deste
Brasil?
Mesas
vazias de sonhos jamais sonhados abarrotam um projeto de escola sem
justificativa e carente de objetivos. A hipótese? Para o professor, estava ali,
à sua frente, movimentando-se com a força da vida.
E
aí?
_
Ei, profe... vem comê com a gente amanhã?
Ivane
Laurete Perotti