GOTEIRA
CAMA
NO TELHADO
_ Tem goteira, sim!
_ Nananinanãooo... tem
não!
_ Ô, moço, o senhor não
está vendo?
_ Ver, eu vejo: não tem
gotera!
_ E essa poça, aqui...
é o quê?
_ Ói! ... aqui na iscola tem gato?
Tem. Tem gato na
escola. Tem gato no alçapão de lata que faz a chuva passar para o outro lado.
Do outro lado, palavras vazias estacionam-se em manobras arrojadas: ...não nasceram palavras, fazem-se
significado. E o telhado da escola, esburacado, deixa ver a pasmaceira do
céu:
_ Tem gato aí?
_ Tem... tem gato,
telhado e...
_ ... chove!
_ Não! Não chove!
_ Uai! Não chovi mais?
_ Chuva? Não... isso é
outra coisa!
_ ... i o gato?
O gato fez cama no
telhado de zinco velho, esborrachado.
_ O gato?
_ O telhado!
_ Num intendi...
_ Precisa dizer?
_ Do gato?
_ Do telhado!
Da cama fria, a escola
inala o inóspito ar que sombreia a chuva ácida. Ventos de pompa roubam o sulco
das palavras que não nasceram para marinar em covas rasas. As palavras nasceram
para beijar o rio, fazer onda, espraiar vontades.
_ Inté, vai, né, dona!
Mas é mió isclarecê as coisa...
_ Es-cla-re-cer...
hummm!hummmm!
_ Bão, né?
_ É! O senhor tem
razão.
_ ... i é?
_ ...
_ Ô, dona perfessora, a gente tá falano do gato?
_ Também! Também!
Na roda de conversa sem
freio, um pulo, o pulo, o gato: os miados tergiversam por contratos ilegíveis e,
uma vez que a fidelidade é o jargão da hora, vai que nessa os sinais indiquem um
bota-fora!
_ Fidel...li...ôh! fessora... tem muíe envorvida nisso tamém!
_ Mulher? Ah! Claro! Os
bota-foras são muito bons para...
_ Ai! Meu São Miguer, munto difícer intende a sinhora!
_ Nananinanãooo... o
senhor bem que entendeu, sim! Essa... essa...
_ ... chuva?
_ Chuva? Não era xixi
de gato?
Ivane Laurete Perotti
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