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LAVANDO PICOLÉS
NA PIA
- estratégias políticas
de aliteração–
Sabemos que a
educação não pode tudo, mas pode alguma coisa. Sua força reside exatamente na
sua fraqueza. Cabe a nós pôr sua força a serviço de nossos sonhos. Paulo Freire
À frente de um sonho
vem uma criança carregando baldes de possibilidades. Para aprender com as
crianças, há de se desaguar o crédito:
_ Vó, quero lavar o
picolé na pia!
_ Lavar o... como
assim?
_ Ele está derretendo!
O óbvio não é aparente.
Carece de muitas figuras até tornar-se patente.
E, ainda assim, em manifesta evidência, o que parece ser, necessariamente não o
é! O que se nos salta à vista é a
vista! Certo? Errado! A vista é de quem se volta para ela.
À vista dos
derretimentos que atingem a escola, pensar em sonhos e crianças lambe a beira
da banalização. Não lambe! Sonhos e crianças conjugam a gramática das políticas
de investimento de um povo e até onde, esse mesmo povo, paga para não deixar
morrer a sua história, a sua cultura, o seu conhecimento, a sua narração.
Debalde
as escolhas que autorizam a fealdade, sonhos e crianças são o presente. E eis o
que se tem em ambas: carência de cuidados. Investir em crianças e sonhos é
garantir a imanência da vida.
_ Vó, achei um jeito!
_ Hum?
_ Olha... se eu fizer
“assim”, o picolé não me lambuzia!
As soluções de Maria,
três anos de idade, são à prova de choros e querelas. Lavar o picolé na pia
parece ideal para se pensar as questões da escola e o nosso lugar enquanto trabalhadores da educação, operários
de fazeres que alimentam os sonhos que
alimentam as crianças.
_ Vó, eu quero ser pfsora!
_ Muito bom! O que você
irá ensinar?
_ Passarinhos...
Aprender é estar no
mundo, é construir um lugar de vista
e à vista, é narrar a experiência de
dentro dela: “[...] a presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a
de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto,
mas sujeito também da História” (FREIRE, 2007, p. 54). Ser sujeito da história
está na raiz do fazer da escola.
Está?
_ Vó, você é perguntadeira!
_ Sou! E você?
_ Eu sou ... eu sou...
você!
Onde começa a política
da aliteração? No abuso repetitivo do descuido. Na voz gutural das
inconsequências. Na desconstrução dos avisos, no apagão da história, na
autorização da violência, na morte das diferenças. Nos versos ocos, na pá de
terra sobre os abismos sociais, na expansão dos medos, sempre e cada vez mais, medos erigidos em um mundo que derrete em
velocidades diferentes. Para alguns, a velocidade do derretimento não bebe da
arte do dizer: vem com data marcada
pela aliteração política/política da aliteração.
_ Vó!? Quero outro
picolé...
Lá vai Maria correndo
sonhos. Lá vão os sonhos correndo Marias.
Ivane Laurete Perotti
Referências
FREIRE,
Paulo. A Educação na
Cidade. São Paulo:
Cortez, 199, p. 126.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 30ª ed.; RJ: Paz e Terra, 2007,
p. 54.