MEU AMOR DE PROFE, Meu Primeiro Amor



 MEU AMOR DE PROFE, Meu Primeiro Amor


DEDICATÓRIA:
                           "Aos professores, mestres do aprender."


                            Eram tantas as portas que meus olhos tardaram em acostumar-se com o novo desenho.
                            Eu colocava um pé diante do outro como quem caminha por uma trilha desconhecida.
                            Em casa, em frente ao espelho bem ensaiei um tipo de choro que, se necessário, usaria. Eu o guardava perto do nariz para casos de emergência.
                           Sabe-se lá o que se encontra em um lugar no qual os pais da gente não ficam?
                           É um susto pensar que não se poderá contar com os olhos cúmplices da mãe da gente ou com a força do pai da gente – quando ele consegue esconder que fica mais fraquinho do que as mamães diante do choro que tiramos da gaveta.

                          Pois eu estava ali, junto com outras crianças que também tinham a sua gavetinha pronta para abrir.
                          Claro que todos sabem que gaveta de criança é um mundo de possibilidades.
                        Para cada ocasião nós temos uma coleção quase infinita de saídas ou entradas.
                        Nosso comportamento é pensado duas vezes, quando temos tempo para elaborar uma alternativa, ou então, usamos a que está mais à frente da coleção. Pois a gente pensa, e muito, na melhor maneira de andar pela trilha dos pernas compridas.
                        Ser criança em um mundo paralelo aos que já cresceram, aos que estão crescendo e aos que pensam que estão crescidos, exige muita força de vontade.

                         Não são poucas as dificuldades para se falar a mesma língua e nem sempre carregamos um banquinho para escalá-los em sua sábia altura.
                         Isso é verdadeiramente desafiante. Até mesmo porque todo o par de pernas tem lá a sua própria ciência: muitos gostam de nossas remelas, outros as rejeitam. Muitos se sentem fortes com o nosso agarra e agarra, outros se descobrem fracos e irritados, muitos sonham com a nossa chegada, outros a adiam por uma vida inteira.


                          É assim mesmo, cada qual a seu modo é um modo único de ser comprido – às vezes eles se repetem, tentam imitar, fazem do jeito que alguém disse e instalam a confusão. Olhando de baixo, parece divertido, mas sabe-se lá!
                      Falando em pernas, não posso negar que foi a primeira coisa que vi: um par de pernas maravilhoso dobrando-se bem junto a mim.
                     Não sei se ela sabe disso, mas naquele momento ganhava meu coração para sempre.

                      De joelhos, ela trazia seus olhos para a altura dos meus. Junto com eles, veio aquele tanto de braços desenhados por Deus para abraçar as crianças que têm medo de portas fechadas.
                      E exatamente no meio desses braços ficava o colo mais aconchegante que eu poderia conhecer para além de casa.
                      Seus cabelos derramaram-se sobre a minha cabeça e eu conhecia então o que era um “imprint”.
                      Todas aquelas portas, repentinamente, pareceram-me um grande salão.
                     Um salão de festas, colorido e alegre, que marcaria diariamente a minha chegada triunfal.
                     Sair de casa?
                     Ora, estava descobrindo com prazer que podemos ter mais de um lugar seguro para ficar até mesmo sem os pais da gente, especialmente em se tratando de um lugar marcado por ela.

                    Ouvi e percebi que para cada um de nós ela era uma. E para todos ao mesmo tempo era ela mesma.
                    De “pró” para “tia”, de “profe” para “fessora”, sabia que parente não era, então era mais do que eu pedia.
                    Quem disse que voz não acaricia?
                    Acaricia, faz cócegas, aquece, gela... e gela também!


                    Existem vozes que provocam a saída dos cabelos de seus bulbos capilares.
                   Existem vozes para todos os sentidos com ou sem sentido.
                   Mas junto dela conheci só o lado bom da voz.
            
                  Viajei embalado por gigantescas e gordas ondas de açúcar mascavo em um mar de carinho e afeição.   

                Destranquei gavetas e gavetinhas, entreguei as chaves de todas as portas, refiz um caminho para minha outra casa.
                Claro! Casa grande, com vários irmãos, “tias” que não são tias, mas são “profes”, “mães” que não são mães da gente, mas lembram daquela que a gente tem...
                Eu descobria a escola!

                Quem disse que somos pequenos só porque ainda precisamos aumentar de tamanho não deve ter pensado que também pensamos.
               Ah! E como pensamos! Pensamos em tudo o que vemos e até no que não vemos!
               Imaginamos fadas e monstros, anjos e não anjos; esperamos o Papai Noel e ainda arrumamos a cesta para o coelhinho da Páscoa.
                Desenhamos montanhas sem mesmo nunca antes tê-las visto, descobrimos o lugar do umbigo em bonecos de pernas de pau, rezamos de mãos juntas a oração do coração, mergulhamos fora da piscina em volumosas correntes de sonhos e alegria, viajamos em estradas de ferro construídas a pincel.


                      Nós somos os arquitetos das possibilidades.
                      Os engenheiros das nuvens tortas, os médicos da “sorrisologia”, da “abraçotipia”, e da “agarromania”.

                      Ninguém ainda escreveu que ser criança é deslizar pelas bordas de um arco-íris aceso pelos raios das estrelas cadentes?
                      Verdade que imaginar os dois fenômenos juntos deve ter impedido o acesso a tanta luminosidade! Isso para um “já crescido”, entenda-se, não impróprio para os “em fase de crescimento”.
                     Construir fronteiras é uma capacidade típica da fase que vemos de baixo para cima.
                      Isso leva um tempo e muito investimento!
                       Mas de volta ao meu salão de festas, entendi as dúvidas que não haviam chegado.
                      Dirimidas pelo “olhar de jabuticaba” eu podia embalar minha alma em doces brumas filosofais.
                      Não que eu já soubesse do que se tratava, mas pensei que ficaria engraçadinho colocar aqui.
                     Ondas indeléveis de pensamentos em formação atravessavam-me fazendo com que eu parecesse um pouco tímido. Tímido talvez eu fosse, mas não ao ponto de estrangular as palavras atrás de um sorriso aberto em cima do queixo.
                    Queixo? E eu lá tinha queixo em uma altura dessas?
                     Eu era um sorriso “bobificado” andando pelo salão de festas. Parecia um marujo em dia de folga... caminhava olhando tudo sem muito ver; era simples o prazer de deslizar por aquelas linhas e ângulos, de passar por todos aqueles cortes e recortes nas paredes que ora me lembravam de buracos, ora me lembravam de portas.
                     Portas!
                     É isso!
                     Portas são desenhos que abrem e fecham com a mágica das mãos _ só mais tarde eu descobri o jogo funcional das dobradiças, fechaduras e linguetas

                 Portas são pálpebras em pé.
                 A gente nunca tem certeza se elas abrem para quem entra ou fecham para quem sai.
                 Se atrás delas tem gente ou é a gente que está atrás.
                  Qual é a frente da porta se ela não é a porta da frente?
                 A gente entra ou sai quando ela se movimenta?
                 Tem porta com vida própria e até nome elas têm, algumas têm nome de gente e outras de vaivém.

                      Tem porta para toda a gente e gente tem porta também.
                       Falam da porta da alma, e da porta do céu, “abre a portinha minha filha, a taramela já tirei, come mais um feijãozinho que esta porta é do bem!”
                      Tem porta que guarda segredos, tem porta que vai além, tem porta que fala gemendo e outras gritam forte “rém! rém! réééééééééééééémmmmm!”
                          Há portas de caras fechadas e muitas nem caras têm.

                            Foi pensando em tudo isso que primeiro eu me calei.
                             Vai que em uma dessas portas fique o medo de alguém?
                             Medo de alguma coisa é pior do que o medo de coisa sabida.
                            No primeiro medo mora o perigo de se saber o que não se quer, no segundo vive o perigo que já se sabe não querer.
                         Essa coisa de medo é muito natural, dizem os “já crescidos” com ar episcopal, parecem saber de coisas que consideram normal. Claro que não explicam se normal é natural, se é coisa desse mundo, se é fato, se é real.
                       Normal para mim é coisa que rima com igual. 
                       Igual é uma coisa que parece com outra e com outra coisa também. Somando umas às outras e outras que nem se veem, tem-se o mesmo resultado e logo o normal vem.
                       Vem depois do costume, do tempo que passou, do olhar que não pisca, da boca que taramelou.
                       Vem depois do primeiro espanto, do medo de perder o lugar, da falta de confiança ou da confiança demais.
                       O normal torna igual ou o igual faz o normal?
                     Há só uma linha entre o estranho e o igual: de um lado o que é novo, diferente e, do outro... o normal?
                     Não existe porta para o primeiro fugir, só se ele for esperto e fingir que já morreu “... quem gosta de mim é ela e quem gosta dela sou eu!”
                   Se o igual gosta de pirulito, o estranho vai gostar também, pois ninguém gosta de ficar sozinho e se ficar, o “bicho comeu”!

                Portas são cortes que não sangram.
                São buracos com tampa, são vazios que mostram o céu, são recados sem palavras, são riscos que alguém fez.
              Eu gosto de abrir portas, agora que as descobri.
              Desenhei duas em outro dia e ninguém entendeu a real.
              Fizeram-me tantas perguntas... para mim tudo estava normal. Não a série de perguntas, claro!, mas as portas, que eram portas para sair e entrar. Não contei onde iam dar que, o jogo, já sei esconder. Mas guardei em uma gaveta as duas portas que fiz.
               “Sempre” é muito tempo e fica longe também, mas sei que em outro dia, abro essas portas para alguém.

                  Alguém assim como ela, de onde agora ela vem?
                  Ao longo do alegre salão estendia-se como uma língua de criança um lugar para correr.
                  Mas eu preciso confessar: até hoje não entendo porque o chamavam de "corredor" e não nos deixavam nele correr. “Espere menino, para de correr”!, “Não corre menino..."," Fulano!, olha o corredor, anda devagarzinho...”
                   Era por ele que deslizavam as horas e as brincadeiras também.
                   Ela tinha fôlego de sobra! Ensinava as letras, brincava com as palavras, jogava com os números, cantarolava histórias.
                   Era um tal de ensinar e brincar, brincar e ensinar, construir e aprender, aprender e construir que ninguém se mantinha longe das rodas.

                        Quando era a hora dos números ela usava letras também, quando era hora das letras, os números contavam além.
                         E quando menos se esperava, vinha livre a poesia.
                         Palavras invadiam a sala e tomavam o coração de quem ouvia.
                         Mãos em baixo do queixo quem não bebia mergulhava... era a voz da professora que alcançava o lugar do sonho bom.
                         E quando alguém se machucava? Quem disse que beijo não cura?
                              Curava a dor da mão, do pé e da alma da gente.
                              Bem que criança já sente uma dor que não se explica, que não tem lugar ao certo, mas dói de qualquer jeito.           
                              Parece coisa que não existe que molha por dentro e por fora, mas eis que os “já crescidos” pensam saber de onde vem.
                                Se a dor vinha ou atrasava, ela dava um jeito de curar, senão de todo um pouquinho, para bem da dor passar.
                               E passava, isso era certo. Pois todos queriam saber: “... beijo cura, ‘pssora’?”
                               E ia beijo para provar.

                                 Deixava uma alegria tão quente no coração do beijado que o sorriso tomava lugar.
                                A dor fugia com medo de outro beijo ganhar.
                                 Essa era a tal da “profe”, prima-dona em declarar:

                        "É preciso saber para ensinar”.

                           Conheci uma professora que não foi “professorinha”, nem foi “tia em dia de escolinha”.
                               Era um amor de professora!
 
                                      
                









                                










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