UM OLHAR SOBRE OS FATOS

                                  
"Os contos de fadas não dizem às crianças que os dragões existem. As crianças já sabem que eles existem. Os contos de fadas dizem às crianças que o dragão pode ser morto."
                                      (Chesterton)
                                      
                     
            Alguns acontecimentos nos trancafiam no silêncio da incompreensão. Outros alimentam o desejo de encontrarmos nossa natureza mais humana onde quer que ela se esconda. No rol dos fatos, entre o inaceitável, o incompreensível, o imaginável e o desejável, desenha-se o universo infantil. Quando não maculado pela avidez da "adultice", configura-se em milagre de longa duração. Daquele tipo de milagre que nos faz olhar para o mundo com o encantamento da inocência embalada em esperança. Pois, esses milagres eclodem no limite tênue que margeia a surpresa e a dádiva da não distração.
            Por entre as gôndolas de um supermercado, com a visão embaçada pelo excesso de cores, informações e valores destacados, encontrei um menino:

           _ Perdão! - digo eu, pois ele surge como que carregado pelos ventos que vêm do Oriente.
            _ Perdão pelo quê? - pergunta-me ele.
            _ Esbarrei em você, desculpe-me!
            _ Não! Não esbarrou! Eu é que me assustei...
            _ Sério? Com o quê?
            _ Ora! Eu não sabia que você estava falando comigo!
            _ Pensei ter esbarrado em você... - explico-me, já encabulada pela situação.
            _ E eu pensei que você estivesse falando sozinha, sabe... m-a-l-u-q-u-i-n-h-a!

            Sanidade é um conceito mágico, promissor por si mesmo. Mas a verdade vista pelos olhos de um menino que já venceu os dragões da realidade, curam a alma da gente.
            Se a sinceridade é um valor engolido pelas arestas do falso polimento, abençoada a criança que não se deixou morder pela hipocrisia. Abençoado menino e os momentos que transcorreram.
            Feito um conto de fadas, coloriram-se os corredores com as histórias que me contou sobre a escola, a avó e o salário de sua mãe, professora. Movido pela gentileza natural das crianças que se reconhecem heróis da vida, estimou acerca do valor do provimento, salário da mãe, em uma perspectiva altamente ideológica. Grande menino! Pelo olhar que ele lançou sobre os fatos eu poderia jurar que estava diante de um grande homem: loquaz, íntegro, sincero, inteligente! Tão inteligente quanto bem preparado para as aventuras que certamente advirão com ou sem batalhas.
            Em dado momento contou-me ele, com a graça das "bem-ditas" palavras na boca de quem tem oito anos de idade:
            _ Eu tenho doze namoradas!
            _ O quê? - interrompi com incredulidade.
            _ Doze namoradas... sim!
            _ Mas...
            _ Uma de cada vez, tia! Claro!

           Claro! Claríssimo! Ele sabia "ler" as implicaturas que emergem das palavras não ditas, mas lá sabia eu de sua rapidez em reconhecer os "dragões" do mundo politicamente correto?
            O fato que narro é real, mas não pedi autorização à mãe do menino para expor seu nome que, em hebraico, tem um belo significado. Penso nele enquanto me esforço para estabelecer um paralelo entre os acontecimentos de nossa história "factual" e os episódios do mundo da "carochinha", das fadas, da fantasia: onde estão os monstros?
             Os "contos" e os "des-contos" não nos põem medos, antes: imprimem esperança. Que assim seja em todas as narrativas. Em TODAS!
           


           
           



                                    

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