A DOR E A ORDEM
PARA
ALÉM DO DESAMPARO: DOR E HUMILHAÇÃO
O DESCASO CONSENTIDO
“O dever é uma coisa muito
pessoal; decorre da necessidade de se entrar em ação, e não da necessidade de
insistir com os outros para que façam qualquer coisa.”
Madre
Teresa de Calcutá
"Chegamos
à conclusão de uma coisa muito importante, que aprendemos com o presidente
Lula, que dizia o seguinte: 'não fui eleito para construir muquifos para o povo
brasileiro'. Eu também não fui. Nós fomos eleitos para buscar para o povo
brasileiro aquilo que há de melhor", disse Dilma, durante a inauguração do
Hospital de Clínicas de São Bernardo do Campo, Grande São Paulo, na última
sexta feira 13 deste ano. O grifo é meu!
A indignação também é minha: mea culpa.
Na
emperrada engrenagem dos percalços desencontrados, rimas acrômicas esfolam a cadência da política
brasileira: vão-se Rutes, Carmens e Josés. No plural das vidas simples, eles e
tantos mais são ceifados deste plano sem desvelo. Nem Carontes, o barqueiro de Hades,
aceita óbolo tão lutuoso.
Solicitudes
não são favores, zelo não é camaradagem, direitos não são barganhas: a saúde
pública não é moeda de troca mansa. O preço das negociatas insalubres
envolvendo as partituras das notas tristes cobra altos percentuais pelos
corredores do abandono. Cobra? Enquanto escrevo, não preciso esforçar-me para
evocar o ostracismo que envolve e enluta o brasileiro desprovido e adoentado.
De um lado, o povo morre. De outro, é vilipendiado, amalgamado, contundido, embaído.
Outros sinônimos? Ei-los: tapeado, baldrocado, engodado, embaçado, escarnecido,
passado pra trás... a lista multiplica-se na mesma velocidade com a qual o
descaso institui-se normalidade provável. O que parece discurso repetido
repete-se verbal e materialmente na plástica dramaticidade da corrupção mantida
com deliberado esforço. Literalmente: entra governo, sai governo, fica
governo... a cantilena não debanda para outras classes e o rol de fatos e
omissões dantescas avoluma-se nas páginas de uma história moribunda, alquebrada
de direitos, devastada pela impune, profana e improba governabilidade brasileira.
Nossa presidente não construirá muquifos! Certamente! Eles sublevam-se à sua derradeira vontade:
existem, existirão e continuarão a fazer parte da ordem do dia em uma realidade
aprovada e meticulosamente mantida há séculos. Ainda assim, bem gostaria que a
nossa representante olhasse o seu entorno antes de proferir palavras que
significam sozinhas, em galopes semânticos reticentes, tanto quanto as
estratégias que não acontecem para além dos interesses de poucos. A dor não
pede carona, mas pode ser tratada com o mínimo de respeito e cuidados básicos,
tão básicos que prescindem de discussão. Ou não? O que há de melhor para o povo
brasileiro?
Não deve ser fácil o manejo da política
assentada, entronada em linhas de parca maleabilidade, mas instigo-me a
imaginar como dormem aqueles que
fazem dela, da política, uma escada para o inferno alheio.
A
sociedade carente de cuidados, de intervenção, alimenta a base para a esperança
famigerada. Estrategicamente, promessas sazonais abundam e transformam-se em
votos de ocasião. Simples tanto quanto somar as desventuras diárias de uma
população privada do direito aos seus direitos. Simples! Os que sobrevivem ao
descaso, ao desmando e à humilhação, voltam-se sobre o pião soprado de fora, e
quando não choram, esperam. O que resta ao homem quando a sua dignidade é solapada?
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