PARALOGISMOS INCUBADOS

IDEAÇÕES DE PERTENCIMENTO: JUSTAPOSIÇÃO CONCEITUAL?
               - as falácias da identidade temporária –

                                    “Nós temos sempre necessidade de pertencer à alguma coisa; e
                                    a liberdade plena seria a de não pertencer à coisa nenhuma.”
                                      José Saramago

                                  Vagas robustas estouram na praia.
                                  Sobre a areia úmida, um homem acalenta a alteridade borbulhante. Sem brindes, ceifa as dúvidas do mergulho inacabado nas águas nebulosas da própria identidade. Alheio ao particular sofrimento, o mar vai e volta carregando o sal que alimenta a Terra. Em ciclos, completa a homérica dança de ser quem é: quem é?
                                   O mar e o homem pertencem ao anel concêntrico da criação, mas em apenas um deles a raiz da dúvida planta garras de imprópria necessidade.  Condenado à liberdade de escolha, o indivíduo não apura: deixa-se colher na fonte da incompletude. As ondas desabrochadas atordoam os sentidos falseados em discernimento.  Verga-lhe o peso da ilusão ideológica, da consciência despida, dos sentimentos agrupados em quimeras farfalhantes. Ilusão do óbvio: abissal angústia irrompe pelas trilhas marcadas na passividade em movimento. Redundante, acredita assumir-se responsável em não fazer. Soma aos desejos incontidos as posses desvalidas e multiplica o que se coloca à frente de seu querer. Abre a pena das palavras vazias para comungar com o oceano a abrupta escassez de cumplicidade viril. Está só! Não! Não está só! Pertence a uma maioria de solitários acompanhados: todos órfãos na rede de relações que o mar devolve à praia. A decência da alma não lhe permite dizer, mas as ideias mastigadas no seio comum formigam-lhe as veias do entendimento. Não é entendimento: rumina discursos atravessados que lhe chegam à lente ofuscada. Não interpela de onde eles vêm, nem como fazem para atravessar a roda líquida dos fatos subjetivos. Não é entendimento: imprecisa identificação o torna quem é.
                                   Na algibeira puída, a mão fria procura os traços que lhe impingem a natureza humana. A água salgada lambe os pés trêmulos do homem indiviso. Não lhe ensinaram pertencer a si mesmo, e eis que agora, no final do dia, dá-se conta da caminhada tartamudeante. Esquadrinha a parceria com os arrabaldes, mas o quinhão que lhe cabe jaz sobre a areia: imotivado e sem autonomia. Lágrimas improdutivas misturam-se às ondas que morrem devagar, temerosas pela invasão à torre de pensamentos do homem desprovido de unidade temporária.  
                                     O mundo perdeu a graça? Não! O homem vitimou-se na construção de uma suposta história solta: vir a ser perdeu o caráter exponencial.  A consciência participatória, voluntária ou involuntariamente, estipula círculos, conjuntos, grupos e sociedades que se fecham entre fronteiras deslizantes. A lógica equação dos sentidos desfralda visões de analogia: efêmera autenticidade!
                                     As vagas estouram na praia...
                                                              “ Tu és metade vítima, metade cúmplice, como todos
                                                                 os outros."
                                                                 Jean-Paul Sartre

                                     

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