DESAMOR EM DÓ MAIOR...
FRÊMITOS IMPRODUTIVOS
Caíam ao som das esteiras pesadas.
Atrás do vidro da janela, covardemente eu chorava. O som abafado dos galhos
embalados pelas folhas copiosas sacudia o chão de terra seca. Terra nua,
despelada pelas máquinas que desciam ganchos dentados e arrastavam as árvores
abatidas.
Era o início
de uma tarde chorosa. Da janela, eu acompanhava o séquito fúnebre em movimentos
espasmódicos. As árvores eram os meus sentimentos que tangiam o subjetivo mundo
da razão sem poesia. Acreditava ver e
sentir a agonia dos caules vivos sendo arrancados sem aviso nem permissão.
Chorei por mim. Chorei por elas. E se em
lágrimas também escorressem as suas dores? Se algo ou alguma coisa qualquer
ocupasse o lugar de uma alma, de um mundo interior perpassando por entre os
galhos que estalavam e as folhas que caíam? Caíam as grandes árvores,
dobravam-se meus joelhos e as lágrimas de impotente covardia. Poderia gritar no
lugar delas. Poderia correr todos os degraus que nos afastavam, poderia dizer
que era irracional derrubarem aquelas árvores tão altas e vivas. O vidro da
janela colara-me ali, olhos abertos para ver a derrubada sonoramente
movimentada. Poderia gritar o famigerado PARE, fazer gestos de IMPEDIMENTO, mas
as esteiras operavam ordens anteriores aos sentimentos que brotavam em mim. Eu
levo todos os dias de minha vida para colocar raízes em mim mesma. Ver as
raízes que elas plantaram ali aparecendo ao ar livre tocou meus fardos em
sementeira emocional. Mas que planeta é este?
Não desejava respostas, pedia sem dizer que as
máquinas parassem e por um momento, vislumbrassem o tempo que arrastavam sem
dó. Queria que explodisse o milagre da
justificação a favor das árvores inocentes, de seu esforço em crescer em
terreno tão árido, da vontade de olhar para o alto e das copas que serviam
sombra a tantos. Ao longe, vi as crianças que se aglomeravam observando o
estrondoso feito. Uma forma de morte se avultada ali. Os galhos que serviram às
brincadeiras dos moleques da vila esmagavam-se sob o peso da esteira ágil e
pronta. Crianças silenciosas postavam-se em cortejo imóvel. Arrancavam a
esperança das tardes frescas e faziam parecer natural, muito natural e correto
derrubar aqueles ícones do planeta verde. Verde, verde, verde era a lágrima que
marcava a trilha por onde passavam as árvores tombadas. Verde era a marca da
impiedosa montanha que se formava no lugar que um dia já fora habitado pela sensibilidade
humana: ali, choravam árvores. Não muito longe, choravam pais, mães, amigos,
madrinhas, avós, parentes de alguém que a esteira da violência arrastara
também. Tombavam árvores, caíam homens, crianças, sem dó, sem chance de proteção.
O vidro da
janela manchava-se com as lágrimas improdutivas que a minha impotência
derramava. Um vidro, uma cela, um muro, uma lei, um descaso, uma fronteira
erguida pelo orgulho, pela avareza e pelo desrespeito à vida. Eu não desejava respostas, ardia por
desacomodar a dor que subia em bolsões de lágrimas repetidas.
Que planeta é
esse que abriga seres tão desnutridos de amor?
Quero a alcunha
de piegas, de sensível, de sem noção, e todas as outras que advém da ausência
da frieza. Inquieta-me o caminho que estamos traçando. Desconforta-me chorar lágrimas que não
semeiam mudança. A indiferença apaga as marcas da humanidade e é mais veloz do
que os movimentos em favor da vida. Na esteira dos casos, não é o acaso que
traça os destinos cruzados: este é um planeta em frêmito profundo, independente
para onde se lance o olhar. A rede entretecida que formamos não tem mais
costura... tem?
A última árvore
vai ao chão e eu me lembro do menino gaúcho que buscou proteção no lugar de
direito e encontrou a vidraça da burocracia. Imagino o seu caminho de volta a
casa onde deveria ser cuidado, amado, protegido, e o percurso que fez até a
cova na qual foi encontrado. Ele pediu socorro. Ele buscou ajuda. Ele acreditou
no sistema que alimentamos. E se... e se fôssemos menos racionais e mais
sensíveis? E se ouvíssemos o clamor de todas as raças, de todas as espécies, de
toda a vida, na forma que ela assume?
A terra
despelada mostra toda a aridez que as árvores docemente escondiam.
Não creio que
possamos buscar respostas fora do próprio entorno: a natureza treme diante de
nossa total e obtusa indiferença.
Levaram as
árvores. E eu só fiz chorar...
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