UM JOGO PELA SORTE
A
MASSA QUE NOS RECOBRE
- Brasil e Chile: um jogo redondo na Copa
das Revelações-
"Eu sou feita de tão pouca coisa e meu
equilíbrio é tão frágil, que eu preciso de um
excesso de segurança para me sentir mais
ou menos segura."
Clarice Lispector
Quando o calo
aperta, o calçado perde a função. Difícil é decidir mancar, mantendo a elegância e a necessidade
da proteção, ou descalçar o pé afetado. Uma vez que, o que nos protege também
esfola, as escolhas acerca de um e de
outro não são tão simples quanto parecem ao primeiro "ai!". Grossas camadas de comportamentos adquiridos, técnicas
de sobrevivência, etiquetas sociais nos cobrem, recobrem, mascaram, disseminando
uma ilusão - talvez necessária - de quem
somos e do que se espera que sejamos.
No cadinho dos espelhos quebrados, qualquer lâmina reflete a imagem de
nossa identidade - fragmentada, claro! -, mas no samba dos sentidos e das
imposições, o reflexo é crível o suficiente para envolver-nos em uma única crença:
EIS-NOS! E do alto de saltos agulha ou
do conforto colorido de chuteiras
lustrosas, retumba o jogo da vida
para colocar no devido lugar a fragilidade de nossos complexos calos humanos. Todos os temos: os calos e os jogos. Fazem parte do circo
contínuo que armamos com ou sem picadeiro, em terrenos nem sempre sólidos, ou
por estações na maior parte das vezes, altamente ingratas e inférteis. Depende
da sorte.
Sorte! Sorte? O místico e o técnico andam juntos nas goleadas de maior
ou menor competência e, infelizmente, dizer que apenas um deles dita a mão do
destino seria demais até mesmo para um texto despretensioso como este. E deixar
de admitir que o subjetivo nos ampara ou derruba ( exagero, óbvio exagero!),
seria o mesmo que valorizar apenas um ou outro. Somos o resultado de uma grande
soma de camadas sobre base com maior ou menor tutano, estofo, cacife, alma, espírito, energia... sentidos! Não faz muito
sentido, mas o que está dentro também
está fora e por aí vai o processo de
construção do SER neste mundo coroado por apitos e julgamentos: as
regras nos salvam quando não sucumbimos a elas. Digam-no em alto som os nossos
jogadores em campo nesta competição de suculentas mordidas, cédulas cheirosas,
patrocinadores tiranos, treinadores ansiosos, atacantes paralisados, goleiros
emocionados, cartadas não reveladas: todos, todos, todos marcados pelo trauma de VIVER EM SOCIEDADE!
Viver é sempre traumático: por menor que seja a demanda de ações
exigidas na luta pela manutenção da própria vida, ou do próprio poder.
Sob pressão, as massas que nos recobrem sofrem o efeito da realidade e tanto podem
servir de armadura quanto de armadilha: ambas permanecem a serviço da identidade
cultivada, exigida, necessária, esperada, imposta, criada. E tudo isso para
assumir uma discussão sem fim: não estamos prontos! Vivemos um eterno devir. Grande jogada para os que
cultivam a humildade, pegadinha incontestável para os que alicerçam o ego em
reflexos remendados pelas linhas do sistema, seja ele qual for: social,
político, desportivo, econômico, cultural... É ingenuidade barata apostar na identidade sem
emaranhados, sem INteração, sem espírito de conjunto, de soma, de perdas, de
complexidade inacabada.
Talvez, seja igualmente ingênua a temática deste espaço, mas, sem
chuteiras, posso tentar a rede e , quem sabe, acertar na trave. Afinal, sorte é
um privilégio? É uma crença? É um dote? Quem merece o quê? Quanto de sorte para
mim e quanto de sorte para você?
A imprevisibilidade inquestionável da
vida deveria nos servir para maior estofo. Se existe um eu existe um tu, já o
discutiu deveras BEM, Bakhtin em Marxismo
e Filosofia da Linguagem. E o quanto um jogo de futebol nos reserva,
poderia ser assunto para várias escolas de pensamento, certamente! Ainda mais,
pensando que a identidade nacional também mergulha em campo aberto e dele sai,
mais verde, ou mais amarela. Quem sabe? A segurança é um lastro que levanta
muitas bandeiras!
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