À
SOMBRA DO ABACATEIRO
- benevolência, piedade e compreensão
dependem de uma política interna de 
                                        
educação do peso bruto -
 "O desespero é uma doença. E um povo
desesperado,lesado por dificuldades enormes, pode enlouquecer, como qualquer
indivíduo. Ele pode perder o seu próprio discernimento. Isso é lamentável, mas
pode-se dizer que tudo decorre da ausência de educação (...)" Chico
Xavier
                                            A primeira curva
da noite  desce silenciosamente.
                                                
 À margem da estrada ressequida
uma pequena multidão pisa a terra com passos em desalento. Olhos minguados
sacodem a esperança no movimento sem graça dos ombros caídos. Abundam entre
eles  o cansaço e as fomes. Muitas fomes
acotovelam-se na bagagem vazia daqueles caminhantes: dezenas de orações
interrompidas, dúzias de ignorâncias
controladas de fora para dentro, de dentro para fora e mais dentro do que fora;
centenas de injustiças e indignidades, vigorosas perdas e infortúnios. Arrastam-se  confusos, desprovidos, vilipendiados, sujeitados ao destino que se decide em
outras mãos. Apenas a vida não lhes cobra passagem, se é que de passagem entende-se essa vida.
                                              Vagam  homens e bichos, seres e almas encrespando
mais e mais a já tortuosa pauta seca de poesia. Se música há, não acode aos ouvidos
desapercebidos a tempo de ilustrar as notas tardias. 
                                            Engolem
verbos, inaudíveis formas, duras  inflexões de acidentes futuros, palavras
de fogo debatendo-se entre as  paredes da
boca. Muitas bocas,  nuas bocas  ardem 
a frio pelo caminho da noite curva. Homens e verbos espiam ideias, nuvens de sonhos corroídos, bilhetes marcados pela
desigualdade social. Dançam os passos da indiferença, valsa desacompanhada,
violência celebrada por antecipação.
                                                Mas a escuridão que mastiga sem castigo,
fustiga o berço da bondade latente, um presente da condição humana, soberana e
digna faculdade de ser gente. 
                                            Por ordem de
nascimento, as curvas guardam ângulos, isentam quinas por quadras de verde alento: unguento. E aos viajantes da
silenciosa noite oferecem ramos, copados ramos de entendimento: letramento. 
                                             Educere...educere...diz a voz do
vento: conduz para fora o que lhe está dentro! Permite  ao homem o pão da alma, fatias do próprio
sustento.
                                           Educere... Educere... enquanto há tempo! 
                                           Alimenta o prelo da construção, soergue o molhe da compaixão! Benévolo cume,
possível lume, vasto pasto, imberbe clarão.
                                           Diante dos joelhos cansados, perdidos e
acuados, uma página, um livro, o conjunto das letras... esteta!  com jeito e calma, não se nega a palma, justa
tarefa, faculta o pensar. "Não basta
saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender
qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para
produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”(Paulo Freire)
                                            No amparo de um abacateiro, calejadas  mãos  parceiras
fundem berços e abraços,  compassos de
longos espaços dedicados a  acolher um
irmão: basta de multidões perdidas, vexadas, combalidas! chega de abafar o grito,
outro mito da despótica civilização. 
                                      A noite desce em
curvas sobre arautos e incautos, varre no mesmo solo as estrelas do amanhecer:
educar para a igualdade não é um direito, já nasceu feito , de direto, um  legítimo dever!
                                                    “Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros.” Paulo Freire
Texto: Ivane Laurete Perotti
