COLO DE PAI
ESTILINGUE
VERBAL
- o ato de argumentar decorre da sensibilidade
intelectual: maturidade
" Não
são apenas as mães que
sabem carregar um bebê no colo.
Os pais também têm braços... e colo!"
(argumento usado por P., 11 anos,
diante do
pai que o questionava)
As
palavras bailaram pela sala como se procurassem a tese a ser corroborada. O que
não se apresentava em estrutura de defesa era o argumento implicado na
sabedoria do menino: cheirava a gente grande!
P.
( não solicitei autorização para citar o nome completo, apenas pedi
"emprestada" a história real de um menino real. E se alguém
acrescentar algo, será pura ficção e necessidade de inventar o que já veio
pronto. Ponto!) caminhava na ponta dos pés da retórica canhestra. De um lado, e
quase de lado, carregava a boneca da irmã menor que, compungida, implorava com
os olhos pela manutenção da brincadeira séria. Brincar de "casinha"
exige uma parceria que só irmão sábio, adulto, macho e inteligentemente seguro consegue
dispor. P. tem de sobra o que falta
nas dobras do mundo imaturo e iracundo;
ao pai coube admirar o próprio trabalho no espelho do filho crescido. Um homem
forte não teme o flexível lastro do amor familiar, nem do amor que faz
estripulias para manifestar-se nas frestas da vida adulta.
P. é um menino que carrega a esperança nos olhos por trás
das lentes grossas e soube entregar-me um pote cheio dela. Bem precisava eu do
pote cheio, derramando-se como a água das chuvas em tempo de abastança - esse tempo que faz a memória
enriquecer de saudade no maior luxo da natureza
humana: leveza! Assim é o menino-homem que carrega nos braços o filho
imaginário, cumprindo com intensa responsabilidade o papel que a irmã lhe
atribuíra. Assim deveríamos nós, adultos domesticados, levantar nossas
"patinhas" para o céu e pedir um par de asas, uma clave de sonhos,
uma montanha de marshmallow tostado -
o marshmallow, não a montanha, uma
vez que montanhas tostadas já povoam
assustadoramente a nossa realidade - um camburão de sorvetes e um iceberg de baunilha salpicado com molho
de chocolate quente. Óbvio! Pedidos demasiadamente óbvios para que nos tomem a
dianteira das vontades. Além disso, levantar as "patinhas" é um
processo que exige coragem e maturidade emocional, faculdades estas que nos são
tomadas no primor do crescimento produtivo. Negue-se a ironia infiltrada por
entre as consoantes bilabiais, oclusivas, surdas... ou sonoras! A fonética
ainda é uma menina e a retórica aprende a barbear-se, então, cabe-me aprender a
brincar em estado de claro nonsense.
Contrassensos não geram colos, antes, erigem grades, muros, estilingues
verbais: não quero brincar de dizer o
que não disse e os muros cansam-me a "vista".
Não sei se P. tem consciência da dimensão de sua
força, mas acredito que o seu modo de estar
no mundo é uma proposta para o menu
do crescimento, uma vez que aprende na própria casa, no amor de seus pais, as heroicas formas de construir a sua.
" Os homens crescem e
descobrem
caudas de dragões onde
antes
pisavam descalços."
Ivane Perotti
Ivane Laurete Perotti