DE-LAÇÃO

DIRETAMENTE DO INFERNO BRASILEIRO:  DELATUS

-   a bigorna e o martelo de forjar esperam à sombra da vergonha nacional -

" No cansaço de um povo que perde sem batalha o  legítimo e imprescindível espírito de nacionalidade  apaga-se a labareda da misericórdia: até quando o picadeiro servirá à encenação burlesca dos larápios, gatunos, ratoneiros?" Ivane Perotti

                                      Não ri o palhaço sentado na arquibancada vazia. A tinta escorre em seu rosto carcomido pelos açoites do vento. Há muito a lona esburacada  descera diante do ocaso inevitável. Punha-se o sol frente ao inferno contratado a bico de canetas cruzadas em mesas da autarquia. A administração pública ardia nas mãos lentas de um ser que transitava de um lado para o outro carregando mensagens inequívocas: DEFERRE. Para os íntimos, /deferre/ vinha galgando espaço pelo universo sintático de uma língua morta e enterrada nas patas da presunção sociológica. DELATUS, seu particípio passado, intimava o palhaço a corrigir a máscara no rosto casmurro e redesenhar o sorriso caricato.  Sem lona e sem plateia, o palhaço, dono do picadeiro , apenas via  as famigeradas labaredas internas e externas  tomarem conta da alma desencorajada. Sem ânimo, nenhuma gargalhada fazia troça com o infortúnio do circo moribundo.
                                  DEFERRE lambuzava-se nos sentimentos de surpresa e indignação que seus movimentos arrastavam aos pés da triste lona descerrada. A bilheteria para o espetáculo ímprobo abrira fazia muito, mas o esforço de DELATUS em tardar anúncios e confissões era uma estratégia inversa ao poder do picadeiro. Aludiam a ele os que temiam perder o que não lhes pertencia, uma vez que a subjetividade do inferno não se prova por antecipação do medo nem do poderio das leis  que chamuscam a carne nua. E há sobra de vestimentas em personagens que sabem tramar.  
                              Nas andanças sintáticas que DEFERRE E DELATUS promoviam, não cabia o realismo visceral dos fatos recolhidos. Era o público ausente que sofria os reveses da corrupção orquestrada. Plateia e palhaço eram um só, mas negavam-se à cúmplice identidade que permeia o espetáculo da vida. Nem um, nem outro: ambos em si fariam a troca da troça, isso se, a carência e o cansaço não fossem um investimento de longa data e agora cumpriam-se em escala colossal.
                                No meio das autarquias premiadas, um ferreiro anônimo e imaterial  esperava o ferro tomar forma no calor do fogo baixo. Quase extinto, constituía em tríade o espírito de preservação que palhaço e plateia deixaram de alimentar. Bastaria uma conexão, um dedo de vontade, um pouco de humanidade para que o espírito brasileiro se envergonhasse do indolente desaprumo. Bastaria um pé de vento calçado no ideário da justiça. Bastaria um sopro de senso comum formado pela vergonha identitária. Bastaria...
                                 Enquanto a flácida consciência de nacionalidade tomava a forma de lona fustigada, e o fogo não produzia o romper das máscaras,  a vida interrompia seu fluxo nas labaredas do inferno anunciado: diretamente do Brasil para os brasileiros ausentes.

                                 "Se estiver passando pelo inferno, continue caminhando."
                                        Winston Churchill

Ivane Laurete Perotti

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