JATOS VERBORRÁGICOS
DIZER "NÃO" É UM ATO A FAVOR DA
SAÚDE PÚBLICA
- sim: mordem-se os lábios trincados pela negada
negação -
"O homem é a criatura que,
para afirmar o seu ser e a
sua diferença,
nega."
Albert
Camus
Negar e dizer "não" são atos linguísticos - sociopsicolinguísticos - que
orbitam em esferas performativas radical e complexamente distintas. Para
colaborar com a subjetiva declaração, basta pensar nos movimentos internos que
nos levam a dizer que somos quem não somos, ou o contrário: a dizer quem não
somos, sendo! Na sina do ser e não ser e do negar o sendo, cola-se a atitude social e psicológica de verbalizar um
comportamento de contrariedade ou discordância com falas ausentes, silêncios
eloquentes, assertivas capengas, atitudes de muro alto - aquelas que mais decoram ( indecorosamente) a sociedade contemporânea com sujeitos
(assujeitados) empoleirados à moda de
aves em confinamento. Bípedes, com ou sem bicos (rostros), também piam, ou
chilram, ou gorjeiam, ou trilam, ou "cantam", apenas o homo sapiens e PELAMORDEDEUS, sem
trocadilhos com a sapiência feminina - nego-me a repetir uma tal declaração
ventilada nos urinóis dos discursos políticos deste país mas, expresso a minha
NÃO concordância com a forma ou com o conteúdo dos tais ditos em jatos verborrágicos
- é capaz de dialogar. Dizer "não" é uma forma de dialogar com o
mundo, tanto quanto dizer "sim", ou de permanecer na berlinda dos
muros sem Pilatos para lavar as mãos .
Quanto a se estar certo ou errado depende da altura do muro, da alça do caixão,
do peso do corpo, da porta de saída e de onde você pensa que quer chegar, como
consequência direta da cegueira induzida de não saber que já chegou. Estar no
mundo é um ato de incompletude instantânea, solúvel no quadrante das relações
que se refazem até mesmo quando não as desejamos. Essa é a condição humana de
existir em sociedade: manifestar-se em estado de condição sujeitável,
ajustável, negociável dialeticamente, ideologicamente... ou não! Não? Nego-me a
pensar que existo e eis-me diante de mim mesma nas entrelinhas ( pensei nas estrelinhas que ainda assolam as
crianças que não têm medo de dragões e aprendem desde cedo que são diferentes
das outras crianças por não decorarem o céu do bom comportamento com os
adesivos de coloração duvidosa) deste texto - pretexto para explorar os muros
que construí no decorrer de minhas abduções reacionárias. Não sou reacionária,
não sou situacionista, não sou... quem sou? Ah! Se eu tivesse essa resposta não desenvolveria este escrito, contexto no
qual ainda nego dizer como penso o
que penso, pois o muro da democracia tem altura e massa cimentária - algo como a mistura de cimento
e doutrinação partidária. Desculpa de uma grande cara de pau ( seria mais
elegante escrever face de madeira?): diz-se sempre, de uma forma ou outra o que se
nega deixar dito. Assim é, ou não! Depende do seguro saúde ao qual se está
dependurado.
* A estrutura sem
paragrafação deste escrito é uma representação morfofonêmica da ausência de intervalos respiratórios entre os
pensamentos negados.
Ivane Laurete Perotti