ECO NA SINTAXE DO SILÊNCIO

* AO AMOR QUE FLUI FEITO A LUZ DO ESPAÇO SIDERAL E DESCONHECE AS ARMADILHAS DOS "BURACOS NEGROS". AO  AMOR QUE  PERMANECE SÓLIDO E SILENCIOSO DESDE TEMPOS IMEMORIAIS... AOS ELEITOS QUE O CONHECEM E VIVENCIAM "NOVO" A CADA DIA.

INAUDÍVEL

- a natureza do amor ecoa na sintaxe do silêncio –

“Há uma doce luz no silêncio (...). Permita que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo, e aprenda a ser dócil no sonho como as estrelas no seu rumo.”
Cecília Meireles


                                 Simplesmente armaram-se com asas poderosas os anjos dos sentimentos. Deviam ser anjos e deviam-no à projeção que partia da alma humana: furtivo ícone de um lugar sem dono. Armados estavam armados permaneceram tal quais os espinhos da caliandra amanhecida. Kafka, em sua mesa poética ouvia o desmascaramento do mundo a deitar-se nu aos pés do silêncio ininterrupto. Bramia o texto em branco pela morfologia ágrafa do dito premente e inaudito; palavras interromperiam o ruflar das sublimes armas: asas plumadas na blindagem do exercício humano. Pensamentos argumentaram barreiras contra o exército em formação. Argumentos possuem argamassa na base das implicaturas e podem ser solidamente instalados, fundados, estruturados.
                                 Doía pensar. Evadir-se era estratégia perdida no tabuleiro aberto de frente para o dia comum. Em pauta, o amor sem nome, sem endereço ou senha de acesso: triângulo perfeito a somar-se entre os ângulos internos foragidos da geometria plana.  A soma de 180 graus despedia-se dos vértices deslocados – adjacentes, os ângulos rasos partiam em retas não paralelas. Partir parecia adequado: partir e partir não sublinhavam parentesco semântico, sequer uma possível alofonia – nem de longe lembravam qualquer alusão fônica ao nome da fuga compartilhada. Homonímias não gostam de asas, deslocam-se por linhas outras e tantas que mesmo caducos, os dicionários encurtam a expansão dos sentidos agenciados. Doía pensar. Antigas letras alinhavam-se atrás dos anjos colaborando para a ineficácia dos fonemas atropelados: silêncio!
                                “Há uma doce luz no silêncio... há uma doce luz no silêncio equalizado: Cecília Meireles alcançou as estrelas e largou o rumo para aqueles que sonham com o céu povoado por guardiões. Doía pensar que deviam ser anjos os que se armaram para carregar os sentimentos em baldes de água fria: asas são perfeitas enquanto secas! O amor não voa, flui!
                                Moveram-se em cadência as icônicas sentinelas dos sentimentos guardados. O céu negociava o aparelhamento do dia e da noite: anoitecia o amanhecer no horizonte humano. Jogos de amarelinha amarelaram a aprendizagem lúdica e no campo do faz de conta até mesmo à diplomacia cabulava-se espaço. A performance do comportamento encaixava-se em Pandoras multiplicadas, servidas em hora última aos que preferem o fast food da gastronomia à queima-roupa.
                                 Doía pensar. E na dor aceita e revisitada um turbilhão de sons empurrava o amor para qualquer lugar previamente desconhecido. Tentaram os anjos formados carregá-lo sobre as plumas suaves. Tentaram como se lhes fosse única a inglória missão. Tentaram em sequências interligadas; mas, insistir pode tornar-se pecado cabal quando o objeto em foco tem direito às escolhas próprias. Todos têm. Posto terem-nas e não as usarem continuam tendo e escolhendo.
                                 Armados estavam  armados permaneceram. Abertas em par flertavam prontas e flexionadas as flechas de voo: olhos em pétalas suspendiam o êxtase no silêncio atingido. Espera dolorida e fugaz. Contemplavam o homem desprovido de poética harmonia sem que pudessem dizer-lhe o quanto também sentiam: anjos sentem dor. Não a sentem por si, mas por aqueles que acreditam guardar e era dupla a carga em risco. O homem e o amor incompatibilizavam-se na sintaxe do silêncio e nenhuma gramática proporia repetir a razoada de Port Royal – imprópria e ineficaz gramática da razão.
                               Doía pensar que a luz do silêncio apagava-se sem ter tocado as faces crispadas pelos sonhos indóceis.


Ivane Laurete Perotti

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