VAZA O MUNDO
VAZA
O FUNDO
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permanecem em casulos envelhecidos os que se negam à singularidade da comunhão
–
“Vê mais longe a gaivota que voa mais alto”
Richard
Bach
No fundo do mundo mantém-se um baú. Forma
indefinida e não palpável, derrama-se pelas frestas da cerrada tampa.
Durante
um tempo imensurável, arqueólogos de pensamento livre buscaram-no com afinco
entre as geleiras polares, nos espaços abissais, no oceano das pirâmides
pontiagudas, nos desertos siderais. Vãs tentativas favoreceram ao homem
biológico o voo baixo e rasteiro, o isolamento defensivo, as guerras internas,
a violência desenfreada, o aprisionamento da alma, a miséria do medo mascarado,
a morte da fé – seja ela “o quê” quer
que seja e para onde se dirija.
Estruturaram-se
justificativas para o comportamento limítrofe, para a negação da vida, para a
mutilação do corpo, para a exploração do poder sistêmico e centralizado.
Estruturaram-se leis e medidas angulares para as hipóteses do inesperado humano,
da insustentável irreverência frente à vida puída e maltratada. Em tempo paralelo, abarrotava-se mais o baú
no fundo do mundo pensado “um”, literal e dimensível.
Improváveis dejetos psíquicos criavam limo e
pesavam na balança da/S/ natureza/S/ desamparada/S: rodava o globo da
“coisificação” em velocidade ímpar. A ARTE perdia a “cola” nas rachaduras da
interpretabilidade vazia. Sofria o homem, enchia-se o baú já cerrado indiferente ao guarda-chuva
homonímico do cerrado sem água, ao
sofrimento do serrado banco da
esperança sem pés. Fadava-se a ARTE presa aos costumes inexpressivos e de
validade vencida: inconsistências típicas da sociabilização do homem sujeito às
consequências irreversíveis das escolhas inconscientes, incongruentes e falsamente
dissociadas.
Sopejado, o baú sinaliza-se instável.
Sensível, a
essência da ARTE manifestou-se crua inspirando transpirados esforços em continuuns
variados: da música à pintura, das letras à arquitetura, à dança, ao improviso;
de Heidegger a Guardini, de Voltaire a Rousseau as tentativas de consolidar a
leveza séria das obras investiam em novas fórmulas para a “cola” entre o
pensamento moderno e suas raízes de valor canônico. Difuso, o eufemismo não
ligava os estrados das diferenças, por si só singulares e em frêmitos
transitórios. Residia onde e aonde o lugar-comum do entendimento
endêmico? Pandemia da inconformidade. Baú cheio. Comunhão desconexa:
insustentáveis redes tramadas no inconformismo. Abraços emudecidos, braços
caídos, sepultamento do afeto simples.
No fundo do mundo o baú vaza tempestades.
A/S/ natureza/S/ encolhem-se diante do inevitável padrão de repetição: não se
vê o horizonte enterrando a cabeça na areia do isolamento. E a /IN/comunhão
sela os casulos blindados: “réquiem
aeternam” à interação. Mozart
desiste da liturgia aos mortos. Sem com/C/erto... sem com/S/erto?
A gaivota
suspende o voo... o baú permanece ao
fundo, no fundo arquetípico do ego
inacessível.
Vaza o mundo!
Ivane Laurete Perotti