TIPOLOGIA IDENTITÁRIA
RÓTULOS
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o fracasso da normalidade -
"Todos nós nascemos originais e morremos cópias."
Carl Jung
O indivíduo
enrolado na braguilha do pensamento
permanecia invisível diante do espelho: as imagens dele mesmo não lhe pertenciam.
Nudez calculada ! A história da civilização humana emudece alguns e destrava
outros como se um gatilho de comportamentos aguardasse pelo "pague e pegue" revolucionário. Resistências
românticas forçadas pela óbvia necessidade do comum e do normal.
No espelho
das areias internas, um homem desnudo não via as suas vergonhas: mirava um rótulo. Mais de um. Vários deles. A testa
empapada pelo suor da visão escolhida : Tudo
depende de como vemos as coisas e não de como elas são (Jung)
encarregava-se de receber as garras do medo. Ver não requer método, exige entrega às genuínas
dores que acompanham qualquer movimento que se desapegue de si mesmo. Mover-se
é um ato de deslocamento para dentro dos infernos instalados no paraíso dos tipos. Quem somos na vida que acreditamos ser nossa? Sem receitas, a felicidade
mora ao lado e cobra o aluguel da massa
cultural na subida ao telhado, caminho
do homem sem teto. A consciência amarga dissabores na língua sagrada: o que se
faz aqui, copia-se lá e aqui se repete o feito alheio como se o feito fosse outorga nova, nupérrima,
atual. De original o nascimento, o vento e a folha movida pelo tempo que, sem tento, não diz onde
vai.
A lua estreita uivava para a janela fechada.
Na moldura do espelho, a bocarra do anjo engolia a fera e o indivíduo nu não se
reconhecia nas diferenças: Quem olha para
fora sonha, quem olha para dentro desperta...(Jung). O abismo da singular performance humana
procurava uma ponte entre o exposto e o configurado: dentro e fora são lugares
de acesso vetado aos rótulos gastos.Acenos de mãos civilizadas sabem camuflar o
aprendizado dos costumes: vergam-se os braços carregados pela bagagem cujo
testamento não se refere ao custo da herança repassada. Assim é, assim foi,
talvez será!
Apertava-se o pé descalço.
Sapatos são luvas emborrachadas que servem para juntar os dedos irregulares no
balanço inconstante do equilíbrio: " Uns
sapatos que ficam bem numa pessoa são pequenos para outra; não existe uma
receita para a vida que sirva a todos "(Jung). E dedos, todos eles,
são antenas de contato no alvo da alma posta, cada qual, dedos e almas, na
cadência disforme e única que deveria ensinar ao homem o convívio
leve nas diferenças. Deveria: ação no tempo e na pessoa deferida pelo verbo.
Deveria: precária condição subordinada ao inconsciente
coletivo, mais coletivo do que ônibus engarrafado.
O espelho não continha respostas
nem as detinha no vão breve entre o vidro platinado e a madeira enrubescida.
Enrolado nos pensamentos, o homem despedia-se de quem seria antes de descobrir-se
ser. Vaga lembrança de um sentimento primitivo, imberbe, retido na memória
consensual, justa e curta memória do homem social."Quando pensamos, fazêmo-lo com o fim de julgar ou chegar a uma
conclusão; quando sentimos, é para atribuir um valor pessoal a qualquer coisa
que fazemos" ( Jung).
E a lua espreitava pela nesga de
luz junto à janela. Dentro, o indivíduo
recluso e tímido, nu, descalço e amedrontado, perdia a vez de olhar-se inteiro
no fundo do espelho, único amigo que lhe sobrara.
" A psicologia do
indivíduo corresponde à psicologia das nações. As nações fazem exatamente o que
cada um faz individualmente; e do modo como o indivíduo age a nação também
agirá. Somente com a transformação da atitude do indivíduo é que começará a
transformar-se a psicologia da nação." Carl Jung
Ivane Laurete Perotti