BANDEIRAS FURADAS
EM
JUÍZO, O JUÍZO
-
desvirtuada virtualidade do juízo final -
"Todas
as bandeiras se encheram tanto de sangue que é tempo de as banirmos por
completo. "Gustave Flaubert ( o grifo
é meu )
Rasgou-se a flâmula do empoderamento pessoal na cabeça das gentes que tombam à sombra de julgamentos sem tino. Por onde ecoam
as vozes da razão? Enquanto a lei se faz aplicar na velocidade de um cavalo manco, as patas - membros de algoz rapidez - da individualidade contemporânea
tornam-se garras de assombrosa violência física, moral, psíquica, emocional,
social, pessoal, virtual... e o léxico não fecha o leque. Do indivíduo para a
massa e no caminho das massas para o indivíduo, as pedras
da insensatez sobram nas mãos dos juízes de ocasião: feito lacaios das ideias
recheadas de preconceito e ignorância, agem por conta de um suposto
"controle moral". A Inquisição, que de santificada nunca chegou perto, instalou-se novamente e ganha espaço diante de fatos que
d-e-v-e-r-i-a-m beirar a absoluta normalidade, igualdade de direitos e
diversidade cultural. De um olhar de reprovação diante da homoafetividade, ao
espancamento de seres humanos mergulhados em amor, em crenças, em cores, em
sabores ou em despudorada miséria: as estatísticas não salvam os moradores de
rua queimados vivos em nome da higiene
social urbana. Na mesma "panela" jogam-se os ingredientes de um
conceito inflamável: a ideologia da intolerância. Serve, a intolerância, para o festim
dos julgamentos. À boca rota, os
comensais da imbecilidade apontam o dedo e as pedras ao sabor de um cardápio
que varia com aterradora fugacidade. Basta dar-se conta da propagação dos memes - tão mortal quanto o vírus Zika -
, da sutileza e crescimento vertiginoso do bullying camuflado em política de
educação para a vida, do descrédito para com a maturidade física - velhice -, das
certezas que matam e não vingam
justiça, da impraticabilidade do amor humano.
Flâmulas de PERIGO enrolam-se no sistema de
banalização dos fatos e não chegam aos sofás das salas vazias de civilidade. A
sociedade fecha-se em conchas cujas pérolas apodrecem pela acidez do hálito
ácido. Acostumado aos festins da irracionalidade, o indivíduo
que "sai fora" dos lugares
pré-determinados corre dois riscos: a loucura induzida - a identidade é um conjunto
de valores pessoais que não podem ser traduzidos por qualquer formato digital -
e a morte social. Esta última, apesar de mortal, pode sinalizar a ressurreição
do homem, especialmente aquele que aprende a conviver consigo mesmo. Mas esta é
uma lição que só o tempo e a paciência permitem quando há um estômago e um
coração conectados à inteligência emocional.
Que no próximo cardápio sirva-se a bandeira
da civilidade, ou, no mínimo, embrulhe-se
nela a nodosa vergonha de nossa indiferença.
Ivane
Laurete Perotti