CONFISSÕES
SENTIDOS
-
quando da vontade de compreender vem a
razão do sentir -
"Dirão, em som, as
coisas que, calados, no silêncio dos olhos confessamos?" Saramago
הַלְלוּיָהּ
Halləluya!
Sobre
a cordilheira de palavras abertas, uma nota voejava com asas de estrela
livre. Mais livre e aberta do que todas as palavras que garimpavam para o alto
e para dentro: Acord agum hu mistori...(
transliteração do hebraico) Acorde
secreto e misterioso....
No caminho das palavras fazia-se necessário
abrir a caixa de sentidos que o homem carregava em algum lugar dentro de si,
fora de si, em si mesmo ou em lugar nenhum. Abrir e fechar em ordem de existir:
tomar para si e dar ao outro. Assim
movimentavam-se as palavras pelas cordilheiras da existência e do poder.
Nulas em si mesmas e carregadas de força alheia. Alheias à nulidade improvável
e marcadas pela mão da vontade somada ao eu
e ao tu: sortidas!
No caminho da nota livre, o som manifesto não
exigia espaço e desconhecia moradas. Cavalgava o vento dos ouvidos fechados com
dotes da razão imaterial. A nota pré-existia. Sem muletas, sem caixas, adejava
ao sabor da própria vontade. Sobre as montanhas beijava o sol, soprava as nuvens pratas da noite sem voz,
deslizava na extensão da terra úmida, umedecia o chão ressequido e seguia.
Seguia imune à pauta riscada ao custo de
sonhos e bênçãos. Pedidos e súplicas que da cordilheira de palavras amontoavam-se
em contínuo vir a ser. Afinal, a que
vinha ela? Não vinha: estava! Antes da criação, antes das caixas e dos homens,
antes do sopro, a nota circulava as oitavas superiores. Na Terra das palavras e
dos homens transpunha a poesia longe do verso, rimava pelos olhos da alma e desconhecia as queixas do
silêncio confesso. Alimentava o suposto vazio justificado ao pé da montanha
lexical: ao verbo o poder do acidente,
ao substantivo, a deixa do conceito. Substancial adesão dos sentidos, jugo à essência
desvalida: retórica perdida?
No caminho da nota viva, um híbrido anjo lachast li ma korê bfinim ...(transliteração
do hebraico), sussurrou-me o que acontece
por dentro... Anjo de pés descalços e flavos lírios à cabeça calva. Ve ech nashanu paam naa...(transliteração
do hebraico), E como cantávamos juntos...
trouxe à lembrança o canto do regresso implicado. Original, precípuo, vital canto de uma nota só:
" Dentro de nós há uma 'coisa' que
não tem nome, essa 'coisa' é o que somos." ( Saramago)
Sobre a cordilheira de palavras, a nota
voejou e retornou carregada, desdobrada, plural: a profusão das vozes híbridas dera
ao canto o múltiplo lugar das sensações e à nota cabia agora tornar-se outras .
" Ah! Felicidade! Em que vagão de
trem noturno viajarás?" ( Chico Buarque )
O anjo calvo e descalço,
antes de voltar para algum lugar, depositou na base da cordilheira verbal que
se desfazia em repetidos movimentos , uma caixa sem tampa. Lia-se ao fundo
dela: Ahavah azra li rak...(transliteração
do hebraico): O amor só me ajudou...
Ivane Laurete Perotti