NO BANCO DE RESERVAS...
AFINAL, QUAL É A
PROSA?
- no rodar da
carruagem, discursos conduzem parelhas -
Em um tamborete de instantes
passados, algumas vozes trocam vicissitudes. A continuidade das falas
inaudíveis repetem-se ainda agora, sob camadas de atravessamentos e vieses que
as estatísticas não cobrem. Um pouco da conversa:
Glória Steinem:
_ A verdade te libertará. Mas primeiro, ela vai te enfurecer.
O tamborete estremece com o movimento
da jornalista estaduniense e William
Shakespeare interpela-a sem exatamente fazê-lo:
_ O
mundo inteiro é um palco. E todos os
homens e mulheres não passam de meros atores. Eles entram e saem de cena e cada
um, no seu tempo, representa diversos papéis.
Aforista, Martha Medeiros, também
jornalista, acorre:
_ Há
homens que têm patroa. Há homens que têm mulher. E há mulheres que escolhem o
que querem ser.
Cervantes, o Miguel de 400 anos
interrompe:
_ Os homens honrados casam-se
rapidamente, os inteligentes nunca!
Inquieta pelo rumo do quiproquó, Steinem argui:
_ Uma mulher sem um homem é como um peixe sem
uma bicicleta.
Cervantes deixa no tamborete a dedução dos séculos pesados:
Cervantes deixa no tamborete a dedução dos séculos pesados:
_ A inveja vê sempre tudo com lentes de aumento que transformam pequenas
coisas em grandiosas, anões em gigantes, indícios em certezas.
Rousseau contemporiza:
_ Há um pequeno número de homens e
mulheres que pensam por todos os outros, e para o qual todos os outros falam e
agem.
Jean-Jacques sente na pele o
sopro de Estagira. Aristóteles destila-se na presente ausência. Mas é Drumond
de Andrade quem toma o turno da fala:
_ Os homens distinguem-se pelo que fazem e as
mulheres, pelo que os levam a fazer.
Contrita, Frida Khalo interfere rapidamente:
_
A mim já não me resta a menor
esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...
Sussurra a primogênita francesa,
Simone de Beauvoir:
_ É horrível assistir à agonia de uma esperança.
O autor de Les Misérables procura por entre os brancos fios de sua barba a
frase dedilhada:
_ Vós que sofreis de amor, amai ainda mais.
Morrer de amor é viver dele.
A advertência sublinhada vem de
Sartre, com As Palavras embaixo do
braço:
_Cada homem deve inventar o seu caminho.
_Não há fatos eternos, como não há
verdades absolutas, reflete Nietzsche , o prussiano
entusiasmado pela composição e pela crítica.
Gaston Bachelard filosofa
com um pé na ciência:
_ Ainda existem almas para as quais o amor é
o contato de duas poesias, a fusão de dois devaneios.
E Platão parece concordar.
Parece...
_ Não há ninguém, mesmo sem
cultura, que não se torne poeta quando o Amor toma conta dele.
Interfere Freud, o Sigmund da
psicanálise:
_ A
felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um
deve procurar, por si, tornar-se feliz.
Carl Junga, diante da figura de pai e
mentor emenda:
_ O sapato que se ajusta a um homem aperta o outro; não há nada para a
vida que funcione em todos os casos.
Mandela retoca a fala:
_ Você não é amado porque você é bom, você é
bom porque é amado.
O tamborete, até então silencioso, desbanca
os intocáveis:
_
Afinal, qual é o assunto? Nem todas as verdades são para todos os
ouvidos!
_ Ei! Essa frase é minha! Grita Umberto
Eco, no vão de meio silêncio.
_ E
quem disse que eu a quero? responde o banco, soltando lascas da velha madeira.
_ Precisamos
resolver (...) nossa insanidade oculta! arremata Foucault
O tamborete retira-se da cena enviesando
as pernas de pau:
_ Não retorno
até vocês decidirem qual é o tema.
Bakthin
concilia:
_ Na verdade, não são palavras que pronunciamos ou escutamos...
Mas
o tamborete segue surdo na recuada sem parelhas.
Ivane Laurete Perotti