GORGOMILOS SECOS
CRÔNICA
DE UM CAOS ANTECIPADO
-
dizendo o que já foi dito e permanece inaudito -
" O Brasil é um
asilo de lunáticos onde os pacientes assumiram o controle." Paulo Francis
Quando
algumas vozes abriram as pregas vocais, era tarde. Restos do pendão auriverde se lhes descia goela abaixo. Às classes
categorizadas e mantidas abaixo da média de sobrevivência física, intelectual e
econômica apresentou-se o diapasão da vontade: acostumar-se ao inaudito e trágico
ferrolho da suposta democracia, ou morrer em estado de inércia comandada. Um ou
outro eram um e outro: a mesma lâmina
com apenas um lado aparente.
No ápice das decisões que
avançam as madrugadas insones, um discurso debate-se por entre as paredes dos
muros históricos: "... o ser
humano se adapta a tudo, inclusive ao caos."(Cury)
Acostumadas
à curva e ao peso do relho, algumas goelas aceitam as fraldas introduzidas na
cava dos gorgomilos secos. Há muito a
ser contado, denunciado, mas as guerras pessoais perdem-se nas moitas ralas das
manifestações do povo desencontrado: "A história da sociedade até aos nossos dias
é a história da luta de classes."( Marx).
O
desencanto é a mãe da morte psíquica, órfã de si mesma e ignorante de seu lugar
na sociedade . Enquanto todos murmuram, carentes das manobras que representam o
comando da mão forte, da justiça na balança e do cumprimento das leis
instituídas, "O capitalismo gera o seu próprio coveiro."( Marx)
No funeral de uma
nação, não se convidam jovens e anciões, ambos perderem-se a caminho do ritual;
tampouco convidam-se os maduros, pois estão abrindo covas para os que se
acreditam perdidos; menos ainda convidam-se as crianças, pois estão todas elas,
absolutamente todas, à espera de um sinal para aplaudir ou para chorar: as
únicas a sofrerem várias e múltiplas vezes a dor da percepção sem direito ao discurso.
No funeral de uma nação, a dor do não
fazer e não dizer fere a terra em
virulentas feridas que não representam as lágrimas escondidas em berço de
espera. Não há berço esperando o corpo do povo sufocado, pois "O
Governo do Estado moderno não é se não um comitê para gerir os negócios comuns
de toda a classe burguesa." (Marx).
Das
janelas semiabertas, algumas frases moribundas saúdam o improvável mérito de
uma suposição: "Democracia é oportunizar a
todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada
um." (Millôr)
"A democracia
surgiu quando, devido ao fato de que todos são iguais em certo sentido,
acreditou-se que todos fossem absolutamente iguais entre si." (Aristóteles)
"A democracia
muitas vezes significa o poder nas mãos de uma maioria incompetente.
(...)
é apenas a substituição de alguns corruptos por muitos incompetentes."
(Shaw)
"Democracia é a
forma de governo em que o povo imagina estar no poder."
(Drummond)
E agora, Mandela? Se "
...a educação é a mais poderosa arma pela qual se pode mudar o mundo."
(Nelson Mandela), o que resta aos
gorgomilos secos?
Ivane Laurete Perotti