SEM FINAL FELIZ
A
REALIDADE SUPERA A FICÇÃO
-
sobras de guerras não são contadas –
“A
guerra é sempre uma derrota da humanidade.” Papa
João Paulo II
Não é um conto de
fadas... não é ficção, nem a fantástica inteligência por trás dos efeitos
especiais da cinematografia. O olhar perdido das crianças do mundo não se
compara a nenhuma produção ficcional. Tristemente, a perda da infância altera a
ordem do universo em um silêncio tão criminoso quanto a desesperança sobre a
espécie humana.
Morre o menino Ali, criança síria que teve o estômago
atingido durante um bombardeio aéreo em Aleppo. Morrem milhares de crianças no
côncavo indiferente do mundo inteiro: morrem crianças aqui, ali, acolá. Assustadas,
ingênuas, desamparadas, esquecidas, crianças que sobram amargas das guerras
travadas pela soberana ganância política/religiosa/econômica, pela ganância de
causa indefinida.
Morrem os espíritos da esperança antes mesmo
de alçarem voos de crescimento. Túmulos frios guardam a voz dos que não
brincaram de pega-pega: foram pegos
em armadilhas da adultice funesta. Pipas esmaecidas perdem-se no céu tomado
por bombas, por balas perdidas, por assaltos articulados em frias mãos sem
destino: guerras territoriais, guerras sociais, guerras pelo domínio
ensandecido de poder e riqueza. A desigualdade ceifa vidas na terra, no mar, no
ar da indiferença.
A inconsciência mundial acontece no volteio
da página do jornal, na manchete esquecida diante do apelo manipulado da
próxima notícia estrategicamente colocada pela mídia tendenciosa. Quem chora
pelos corpos diminutos cujos sonhos foram tragados pelo furacão do ódio? O
descaso mata muito antes da morte por artilharia pesada. E mata a alma dos que
assistem sem mobilizar-se. Mata à míngua... mata lentamente todos aqueles que choram pela dor alheia. “O mundo será julgado pelas crianças. O
espírito da infância julgará o mundo...” (Georges Bernanos).
Que espécie de homem
habitará a Terra? “Sou hoje um caçador de
achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu
quintal vestígios dos meninos que fomos...” (Manoel de Barros).
A humanidade hipócrita tem
espaço para discutir em qual categoria encaixa-se a formação da família atual: pai-mãe, mãe-mãe, pai-pai, sem pai... sem
mãe... sem ninguém!, mas não tem coragem de brigar pela base de uma geração
que cresce sem amor. Obviamente falar de amor é por demais piegas,
insustentável, irrelevante, não gera dividendos, não promove o capital, nem resolve
as diferenças para minorias desempoderadas.
Contudo, as minorias estão crescendo e não se percebe que o humilde herdará a
Terra, se antes não lhe tirarem a vida por florir em meio à pobreza e o
esquecimento.
Nenhum muro protegerá o homem do
terror da violência. Ela começa no âmago da alma desprovida de compaixão. E
enterra as nossas crianças em berços de terra embebida em sangue.
Ivane Laurete Perotti