INFIDELIDADE



FADIGA MORAL

- morre-se um pouco a cada dia enquanto o sol não se põe para todos -

“Eu passei a acreditar que o mundo inteiro é um enigma. Um enigma inofensivo que é feito por nossa própria tentativa de interpretá-lo, como se houvesse nele uma verdade subjacente”. Humberto Eco

                                      Se as verdades são subjetivas, e creio que o sejam, como defender a primordial frugalidade da vida humana?
                                     Em algum lugar das paisagens cotidianas venho perdendo o olhar de surpresa. Sobra-me o espanto dolorido de pensar que estou ultrapassada pelo susto que teima em deixar-me colapsada. Não quero aceitar os números da violência sangrenta nas cidades brasileiras. Não quero ver as reportagens sobre as guerras: policiais versus manifestantes, manifestantes contra manifestantes, operações nas favelas contra o segundo maior estado em governabilidade de fato – traficantes estruturados em governos paralelos, governos paralelos validados como traficantes políticos de gananciosa competência -, corrupção pandêmica, crianças de Allepo, crianças do mundo perdidas em valas sociais de longo alcance, homens e mulheres descredenciados de sua intangível condição humana.
                                 As fomes plurais derrubam-me na sarjeta da esperança. Uma ideia plantada pelo empirismo baila diante de meu espírito: fim dos tempos! Não me atenho a conhecimentos práticos nem discuto as bases do senso comum, mas desejo não permanecer na sarjeta. Uma alavanca, por favor!
                                 Houve um tempo, não faz muito, acreditei que bastava ser coerente. E não sabia o poder de ilha que a coerência implica. Por isso, defendi que as correntezas da vida poderiam ser validadas pelo conhecimento partilhado: “Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.” (Foucault). Sinto saudade do homem Foucault que jamais chegarei a conhecer. O ser pensante por trás das ideias projeta-me um sujeito solitário, ou pelo menos, fatalmente incoerente com o mundo em seu entorno. Quantos solitários perambulam ao meu redor? Quantos Foucaults caminham ao meu lado e não os conhecerei a tempo?
                              Desejo os sonhos de Ícaro... mas, sob que outro sol eu voaria em asas movidas a cola e papel?
                         Não voo! Aterrisso diante do inevitável choque da realidade em evolução. O abismo entre a velocidade do tempo e o tempo da velocidade não são recursos metafóricos: somos todos prisioneiros da subjetividade humana.
                        Validada pela infidelidade filosófica, desejo beijar os pensamentos de todos os seres que, além do desejo, acreditam na educação como uma ponte para fora da sarjeta social, cultural, econômica...
                        Estou fatigada e envergonho-me disso. A fadiga moral carrega um peso atemporal, o que não justifica o meu cansaço. Queria começar de novo...
                         P. S. A quem interessar possa: paga-se em beijos pelo resgate da surpresa!

Ivane Laurete Perotti

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