MORADA DOS VENTOS
FLORES
DE PANO
-
também entre as pétalas guardam-se espinhos -
“Não
se pode estudar botânica com flores artificiais.”
John Sinclair
No caminho
dos gigantes, apressadamente, as pedras rolam na antevisão do esmagamento. No
caminho dos miúdos, as pedras agigantam-se prenunciando a pisada. Na trilha dos
medianos, as pedras são montanhas escarpadas: foco de justificativas para o não
avançar. E nas entrelinhas deste quadro, outras escalas da vontade pisam a terra da realidade. Massiva utopia. A vontade é um país de quase ninguém e os
pés que a pisam, pisam-na em desforra à ilusão. Assim é. Assim permanecerá até
o dia que uma flor tornar para si a consciência de sua insustentável beleza:
frugal estética da criação perfeita.
Falar do quê?
Das perdas que se coroam de flores e lágrimas? Das vitórias que migram as
flores para o vaso da perecível felicidade? Da rotina sem brilho que acomoda as
flores de plástico no bolso do amanhã? Falar sem dizer que “A felicidade não é um ideal da razão, mas
sim da imaginação.” (Immanuel Kant)? Improvável!
Ventos de
origem incerta fustigam flores. Nem todas elas encobrem os espinhos que, afiados,
perfuram a capa da rajada de ar. Não se pode impedir o nascimento de espinhos,
não se pode remendar o vento: ambos convivem em perfeita relação de poder no
canteiro da natureza esperta. Às flores, a incompletude do indelével curativo
para as almas apedrejadas. Ao vento, a força da anônima volição.
Pedras e
flores não enterram a história sob camadas de adereços, nem tropeços, mas
aconselham a vencer os ditames da artificialidade. “Fiz a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores...”
(Cora Coralina).
Gigantes
da vontade, miúdos do entendimento, medianos por sincronia, somos todos pedras
e flores, vento(s) e espinhos, rastros anônimos de maior ou menor ímpeto da
ilusão. A relação estética fica por conta do espelho da alma, enquadrado longe,
bem longe do jardim da realidade. “A realidade é simples e isto apenas.”
(Mário Quintana)
“Quero
é ficar com alguns poemas tortos/Que andei tentando endireitar em vão.../Que
lindo a Eternidade, amigos mortos,/Para as torturas lentas da Expressão!... (Mário
Quintana)
À alma das
flores que se esforçam para subir acima das pedras, além da morada dos ventos,
longe do bem e do mal.
Ivane
Laurete Perotti