PISANDO EM OVOS
A DITADURA DOS CONTRASTES
- o politicamente correto e o
silêncio dos fatos –
“Você não sabe a energia que reside no
silêncio.”
Franz Kafka
Em
confissão, preciso invocar as forças da serenidade para livrar-me do im/possível conflito entre o que sinto e
o que desejo dizer. Na minha verdade, nem sei se desejo dizer: pesa-me o desejo
de mastigar o silêncio consciente, aquele que tem olhos para todos os lados e uma
patética bocarra de arrependimento. Não consigo!
Por que se espera de todos nós o mínimo de
coerência na defesa de uma ideia e por que as palavras carregam pianos de cauda
longa? O contraste começa na origem do argumento e tenho sido infeliz nas
conjecturas que traço no entremeio dos fatos. Se nada é o que parece, o chapéu considerado por Freud ao dizer que, “...
às vezes, um cachimbo é apenas um
cachimbo...”, poderia ser um panamá.
Na incerteza de meus ouvidos mentais,
acredito que talvez Freud tenha apenas desejado dizer outra coisa. Assim é!
Passei
uma semana mastigando leituras, pesquisas e pensamentos para discutir aqui uma visão (excedo na precaução em
evidenciar que existem outras visões
sobre o mesmo tema. Tão óbvio e tão perigosamente necessário!) do politicamente correto e da nova/velha ditadura
das palavras. Dizer nunca foi uma
expressão democrática, mas os conflitos da contemporaneidade parecem aumentar a
fragilidade da cesta de ovos: fala-se andando sobre eles! E posso estar
correndo riscos ao invocar esta metáfora. Ovos? Por que não outra figura? E daí
o peso do silêncio.
Engulo
pregos. O provável – factual - excesso de discursos dentro dos discursos e a
inação frente aos fatos é uma incoerência. Não? Posso escrever sobre a devoção
às ideias de igualdade, mas não posso tomar atitudes diante do que considero
injusto? Na ordem dos discursos, se a legitimidade não me coloca no grupo dos reclamantes,
estou fora do lugar do reclame? Perco-me!
Os
fatos, naturalmente, encerram vários olhares, recortes, razões, e amarram-se à
formação ideológica de cada sujeito social.
Óbvio! Enfatizo a repetição da palavra “óbvio” pela possível emboscada
semântica que a palavra “claro” carrega. Contudo, na antonímia da vida sou
obrigada a conviver com o fato não ficcional de um menino negro sendo revistado
dentro de um supermercado pelo claro e truculento segurança treinado no colorismo da selvageria. E tenho de
lidar com o espancamento do senhor idoso, esfomeado e destituído de voz que roubou uma maçã. Tudo pelo mesmo
segurança, no mesmo mercado e na ordem cronológica citada aqui. Ainda, devo
saber que a intolerância mata! Basta ler as últimas notícias e sofrer de
indigesta consternação.
Não
passei no teste da raiva, particular raiva diante de minha espécie humana e ainda defendo os discursos sem ódio: in/coerência! Estou em franco desequilíbrio!
A
complacente incapacidade humana de sentir compaixão sublinha conceitos de
falsas lutas. Pregos retóricos calafetam o caixão do silêncio e o recobrem com ovos...
quebrados!
Ivane
Laurete Perotti