BARBAS DE MOLHO
TEMPO
PARA ACONTECER
-
sinopse de um conto decadente –
“Se
consciência significa memória e antecipação, é porque consciência é sinônimo de
escolha.”
Henry Bérgson
Alguns
verbos cansam a frase. Outros cansam “as gentes”. E as palavras, pobres delas,
reviram-se para estancar o sentido ausente.
Era
uma vez uma tribo. Canibais por excelência, não gostavam de carnes: apreciavam
poderes. O tempo deixara as barbas de molho
e não gerara filhos – a sabedoria fora um embrião descartado no tubo criogênico
das inseminações artificiais e a maledicência sobre a sua injustificável
paternidade tornou-se conto da carochinha: indicado para embalar a dor das
incertezas públicas. Eis que elas haviam também lá, tão hirsutas quanto a face
do tempo.
Incertezas abrem o apetite do controle. E o
controle tem barriga de aluguel: tênias/taeni
sollium/taenia saginata, lombrigas, solitárias...
todas bem acomodadas no delgado espaço das conspirações intestinais. Mas,
enfim, a tribo canibal não gostava de carnes. Alimentavam-se de poder alheio na
arena da inconsciência (outra palavrinha gasta, esfarrapada, esvaziada, pobre
coitada!).
Nas
páginas de sua trajetória, oS sangueS
eram tão comuns que ninguém, ninguém perguntava acerca de sua procedência. O
tempo, desprovido de herdeiros, parecia colocar panos quentes na sombria evolução daquela gente. Era uma tribo
singular: presumia historicamente a sua origem, capitalizava o seu presente e
anunciava salvar o seu futuro. Robustos projetos de fundo sem fundo maquinavam-se à baila de grandes discursos (não,
não eram tão grandes assim esses
discursos, mas a tribo acostumada à retórica do poder alheio sujeitava-se à
mesma e repetida trilha sonora). Tudo na mesma linha sociocultural. Uma
perspectiva otimista. Selvagemente otimista.
Do
empirismo fajuto à prosa benevolente, a tribo alimentava lombrigas. As barrigas
hospedeiras cresciam a olhos vistos. Bárbaros projetos justificavam,
vantajosamente, a sua barbárie.
O
povo da tribo esperava dias melhores, uma
vez que a chuva e o sol e as promessas e os....
esperava. Esperava. Até que o tempo, num átimo de repúdio ao tédio, aparou as
barbas. E o molho de sua longa
preguiça entornou desavisadamente. A
tribo, administradamente pasmacenta, viu
o molho secular chegar à própria garganta.
E
agora?
O
molho permanece no mesmo lugar, aguardando
o tempo de decantação – outra faceta da ideia de duração que, convenientemente, a tribo não discute. O tempo? Ah!
Este obedece às leis da física, da matemática, da justiça, da retórica, da
ficção...
Dar
conta do processo que afoga, ou quase afoga, a tribo deste conto decadente é
uma escolha em estado de gerenciamento.
Afinal,
de ficção e realidade todos entendemos... um pouco! – com perdão pelo
trocadilho bastardo! Mais um para reclamar paternidade no mundo do empirismo
racional.
Ivane
Laurete Perotti