Jornal Pensar a Educação em Pauta
NARRATIVAS DE UM
OLHO SÓ – parte II
- as demandas
dos dias e a urgência por uma pauta para a educação -
[...] a
realidade opressiva absorve os que nela estão e, assim, age para submergir a
consciência dos seres humanos. Paulo Freire
_ Professora, por que
você está tão estranha?
_ Não estou estranha.
Estou preocupada.
_ Parece estranha...
_ Talvez, seja estranho
para vocês a preocupação em meu rosto.
_ É!
_ Você está sempre
alegre...
_ É!
_ E sempre fala muito –
a classe inteira ri da última colocação.
_ É verdade. Sinto
muito se deixei escapar como estou me sentindo. Não foi intencional.
_ Profes... você sempre
diz que a gente precisa conversar sobre o que sentimos. Então?
_ Eu realmente gostaria
muito de dizer o que sinto, mas não seria adequado.
_ Como assim?
_ Explico... a nossa
profissão tem acentos diferentes.
_ Tipo agudo, fechado?
_ Ahhhh! Isso não é
piada, fulano. Dãa!
_ Seria bom ter espaço
para o humor leve. Rir faz bem à saúde mental.
_ Ótimo! Então, você ri
com a gente, pró!
_ Eu gostaria.
_ Bom, que você gostaria a gente já entendeu, mas o que
está lhe preocupando?
A fala da professora
perdeu-se entre preocupações que ultrapassavam o sinal vermelho. Deixou de
dizer e se perguntou se estaria correta. Se estivesse correta, não deveria
estar preocupada. Então, algo lhe soava como um alarme atrasado. Onde fora
parar a alegria de aprender e de ensinar? Em que momento perdera-se a boniteza
do pensar a procura do conhecimento com aguda destreza? Palavras de Freire, o
Paulo, que desbravara o inóspito mundo do pensar a educação como projeto
coletivo, comprovara que “ quando a educação não é libertadora, o sonho do
oprimido é ser o opressor” e ela estava ali, ela e todos os demais professores
envolvidos com a Educação Básica, perdidos em ondas de choque e extrema tensão.
Estavam preocupados em fazer e fazer bem, em envolver-se com uma construção
solidária, participativa, de excelência dentro da escola pública. Mas as vozes
que lhe chegavam aturdiam os sentidos do fazer e do constituir-se. Os cortes contra
a educação navalhavam a carne, a escola padecia de vontades e motivação, os
professores enrodilhavam-se nos descaminhos anunciados. Negava-se o direito
inalienável ao saber, ao conhecer de qualidade. Desenhava-se a inflexibilidade
da repetição cega, da precarização dos espaços, da violação à formação, à
capacitação profissional de milhares, milhões de profissionais da educação.
_ Professora, você
continua estranha. Vai explicar para a gente?
_ Bom, talvez eu não
seja suficiente para explicar o que sinto.
_ Essa é nova: a
professora não sabe explicar?
_ Sim, estou sentindo
dificuldade em explicar. Mas, talvez, juntos possamos pensar em algumas
possibilidades.
_ Profe... você está
querendo que a gente pense para explicar os seus problemas?
_ É! Quero isso mesmo!
Com um detalhe: o problema que me atinge, é problema de vocês também.
_ Hummmm? Ah! Sério?
_ Você será demitida
junto com os outros professores?
_ Não!
_ Você não vai receber
o salário?
_ Acredito que irei
receber.
_ Então, o que pode ser
pior do que isso?
A professora levou
apenas alguns segundos para compreender que o problema era maior, muito maior
do que os seus longos anos de escola lhe mostravam.
_ Queridos alunos,
vamos aprender a ler.
_ Nós já sabemos! E o
que ler tem a ver com os seus...ah!
nossos problemas?
_ Vamos recomeçar: “É
preciso que a leitura seja um ato de amor.” (Paulo Freire)
A sala, antes pequena
para a angústia da professora, tomou-se de um fecundo espaço vazio. Vazio de
ameaças, vazio de medos, vazio de impossibilidades e, a leitura ganhou a
escolha de um movimento a favor do ato de pensar.
_ Psora... vale ler
poesia?
Ivane Laurete Perotti
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