Jornal Pensar a Educação em Pauta
NARRATIVAS DE UM OLHO SÓ – parte III
- interpretabilidade
atemporal-
Num país como o Brasil, manter a esperança viva é em
si um ato revolucionário. Paulo Freire
_ Não entendo,
professora...
_ Diga, o que não
entende?
_ Essa coisa de narrativas
e, de um olho só. Você está falando de ogros?
O desejo de construir
um trocadilho foi substituído lentamente. Acima de tudo, o profissionalismo.
Nem a neutralidade, nem a neutralização!
_ Na verdade, não é
sobre ogros, mas poderia ser. Ogros são personagens comuns em contos populares
e
_ Gostam de comer seres
humanos. Eu sei, profe!
_ Então, a parte de um
olho só, tem a ver com...
_ Ciclopes.
_ Pode ser, eles...
_ Eram gigantes que
tinham um olho só e eram ferreiros, eles derretiam os raios de Zeus.
_ Muito bom! Você gosta
de narrativas.
_ Eu gosto de
histórias. Mas ainda não entendi isso de a narrativa ter um olho só!
_ Pensa em algo que aconteceu e que
você quer contar para alguém.
_ Hum...
_ Você pode contar de várias
maneiras.
_ Não! Eu só posso contar o que
aconteceu. Só isso!
_ Certo! Mas ao contar, você
contará o acontecido a partir de seu ponto de vista.
_ Ponto de vista? Isso é uma ...
uma... ponto de vista...um olho só..
_Uma?
_ Saquei, profe! É uma pegadinha
pra gente pensar nos olhares.
_ Maravilhoso! Talvez não se deva
chamar de pegadinha...
_ Mas pode se chamar de exercício,
não pode?
_ Sim, a narrativa contempla a
possibilidade de observarmos como o
outro vê o que vemos, ou o que foi visto. Ou ainda, como a outra pessoa conta o que se passa. A visão de cada um aparece
como o ponto de vista da narrativa. Alguns preferem o termo perspectiva, ou
opinião.
_ Agora entendi. Você
já explicou sobre as histórias de guerras e conquistas. Quem conta é o
vencedor. Então, a narrativa de um olho só ...
_ ... tem só uma visão!
– era
A discussão, no sétimo
ano da Educação Básica, ganhou ares de olimpíada. Todos tinham algo a
acrescentar. E acrescentaram com grande potencialidade nas referências. A
compreensão sobre a leitura de contextos, a leitura profunda e a
intertextualização fazem parte de um legado quase esquecido: a oralidade. Da
necessidade de dizer ao outro a impressão sobre as experiências, fez-se um
feixe de luz: ação e transmissão! Surge o verbo!
_ Os raios de Zeus,
profe!
Em existindo um início
para o verbo, talvez seja possível imaginar o homem,
_ Homo
sapiens!
...há apenas 300.000 anos atrás, tentando transmitir
as suas visões sobre o mundo, os seus sentimentos, os seus medos, as lutas pela
sobrevivência.
_ Eles não sabiam
falar.
_ Não, no início não.
Mas eles desenvolveram formas de sobreviver e precisavam contar aos demais para
que o fato não se perdesse. Para os demais também aprenderem sobre o mundo que
os cercava. Então, quanto mais esforços faziam para contar, mais evoluíam, mais
aprendiam.
_ Da hora, meu!
_ Eu entendi! Se a
gente contar uma história para esconder outra, a gente tem uma narrativa de um
olho só! Gostei!
_ Profe... é um pouco
disso que está acontecendo agora?
_ Sim, é um pouco disso!
_ As notícias...elas
também são narrativas?
_ São! – a professora
sorri sem notas em pauta.
_ A história do Brasil
é uma narrativa!
_ A do mundo!
_ Podem ser narrat...
_ De rocha! Entendi!
_ Então... – a professora
não se preparara para o precoce inaudível!
_ Temos muitas
narrativas ciclopes no Brasil, profe!
E as olimpíadas de
leitura subiram ao pódio das ferramentas do pensar e pensar.
Ivane Laurete Perotti
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