ORFANDADE LITERÁRIA
PALAVRAS TRÊS VEZES ÓRFÃS
- futuras histórias sem pai -
"Não tenho medo da morte. Na minha terra, a morte é uma
mulher ( ... ). E o único jeito de aceitar essa maldita é pensando que ela é
uma mulher linda." (Ariano Suassuna)
" A saudade é a nossa alma dizendo
para onde ela
quer voltar."
(Rubem Alves)
"Nós
aprendemos a ser apáticos, dominados e a ter pouco senso de comunidade, ou
seja, pouco senso de interesse coletivo. Nós temos uma formação que eu não sei
de que buraco saiu..." (João Ubaldo)
Nas sombras
das nuvens ralas um cílio bate continência. Pálpebras vertem letras molhadas
sobre páginas em branco espalhadas a esmo pelo terreno celestial. Frases não
escritas espremem-se no espaço da criação.Livres, continham-se diante do vazio
triangular. Ali e lá a linha da existência curvava um anel temporal de pungente
sentido. Mesa redonda no paraíso: olimpianos enciumados espreitam o poder do
verbo individualizado. Três grandes construtores das palavras entabulam um
colóquio provisório: a arena do céu arma-se em contentamento. A chegada festiva
promete a suspensão de toda carestia semântica: criar é verbo processual,de
valência interminável, inextinguível.
Não fosse a
orfandade terrena que subia pelas barbas dos anjos, o paraíso contentar-se-ia
em apenas comemorar o grande feito: Suassuna, João Ubaldo, Rubem Alves trocavam
figuras pictóricas com prazer redobrado. A Arcádia Sideral reposicionava suas
cadeiras para receber os grandes meninos que revigoraram a vida comum nas linhas
simples de sintaxes coloridas, entortadas, simplificadas, espichadas até a
ponta do verossímil. Ficção? Ora, ora, ora! Contar é a arte de mentir com
bravura e destreza sob bases tão verdadeiras quanto impraticáveis. Prodigiosos
pintores, fizeram da poesia um manto de possibilidades irrepetíveis em saudosas
telas de palavras nuas. Destros da imaginação, usaram a alma para tingir folhas
e vidas, ambas catalogadas nos anexos da história maior.
Flocos de saudade
arremetiam-se da terra ao céu feito flechas almofadadas pelo carinho e pelas
lembranças latentes. Um soluço! Outros mais! Que alegoria armaram eles para
deixarem-nos tão opacos e perdidos de uma só vez? Pedaços de histórias aqui e
ali tremiam em ordem de marcha: um e dois, o que será depois? Um amava
escrever, o outro escrevia por amar: diziam não saber e então, faziam acontecer
com a graça de quem vê o sol desvestir-se todas as manhãs, mas guarda o segredo
da nudez calorosa olhando para o outro lado da bacia mágica. Ah! Faroleiros de
terra seca, ilhas desertas, sertões castigados, pedreiros da alma absorta; galhofeiros
abençoados pela tarimba da sabedoria vivida a punho e letra. Escrevinhadores das ideias folgadas e saborosas, saltavam de um paraíso a outro. Este último,
o prêmio da agremiação etérea, dos passos sidérios, era um novo capítulo no
livro da vida. Ubaldo, Ariano, Alves, nos deixaram sem partir. Um upa! ou opa!,
um urra! talvez, olé!... qualquer palavra que possa exprimir nosso sempre e
sempre e sempre amor pelos arquitetos dos sentidos ativos, vagos e atribuídos.
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