DE DENTRO PARA FORA
INVENTÁRIOS
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no espelho dos anos habitam memórias e invenções: todas elas distorcidas -
" Na caricatura de um fato e do que se
diz dele transitam impunes a língua, a linguagem e a louca soberania que rege a
literatura." Ivane
Perotti
Acima dos
montes pairam nuvens de imprecisão: ao fôlego dos ventos lambem a terra ou
beijam as margens do céu. Abaixo deles, peregrinam seres humanos: açoitados
pela nebulosa condição de subjetiva incompletude, embrulham dentro de si
memórias e visões como se dentes mastigassem-lhes a verdade jamais deglutida de
quem são... quem são...
Quem é o
homem que transita abaixo das nuvens e sobre elas edifica a sua morada? É o
mesmo homem que escala os montes para ver a que distância do solo planta os
próprios pés.
Fatos e
boatos pesam na bagagem da vida com equivalência doentia, salvo a ordem em que
afetam a discutível impressão nas tábuas
do autoconhecimento: quanto mais se insiste na imagem criada, mais se
aceita que o reflexo no espelho é a
expressão daquilo que é! Não é! Entre ser e não ser salvam-se
apenas as orações: desejos talvez genuínos de se desentortar os espelhos da
vida. Talvez genuínos... talvez...
" Ora pro nobis! Orate pro nobis! Ora pro
nobis omnibus..." Ora pelas almas abertas que desejam tocar o azul dos
mares, que não temem verter em cores o pano das emoções, que aguardam beber a
esperança em cálices de barro frio. Ora pelas mentes famintas, pelos corações
flagelados, pelas mãos desnudas em falso labor. Ora pelo sentido inexistente, sempre
latente, na boca das gentes, preces
dementes, obscuro louvor. Ora pela verdade incongruente, fator recorrente na
memória doente, divisão entre servo e senhor, crédito e credor. Deve quem recebe o amor e dele faz moeda de
troca na invenção do favor.
Que no
inventário de uma vida se derrame em mantos,
dos olhos o pranto, da vontade a
dor, investidas contidas, interrompidas, em frases e gritos, mitos, desditos, palavras
quentes de impiedoso teor. Que se faça do verbo uma ação inclinada, à bondade
voltada, longe da escada, da ofensa
elevada em degraus concentrada, violência ampliada em surtos, furor.
Que não se
escreva em tábulas rasas, quão
simples se foi; já que a simplicidade é um movimento complexo, fiel
caminhada, trabalhosa tarefa de extirpar
a mediocridade, outra maldade, prega da falsidade , voto de desamor.
Que não se
abandone a batalha travada no meio da estrada por medo, pavor. Coragem é um
dito, negado o visto, à mentira, ao fraco pudor. Nem se espere lugar de
recompensa, igual ao que pensa, quem não merece no mérito o crédito de
aplausos, o ramo de flor. Dizer-se não ambicioso não salva da fraude,
ataúde grotesco, principesco, onde as palavras enganam e os atos profanam ,
curto teatro, honras sem atos, homens e ratos, escondem -se em igual e
carcomido andor.
"
Prima é a obra da natureza!" Ivane Perotti
Ivane Laurete Perotti