HOLOGRAMA DE FÉ

O CÉU NÃO É O LIMITE

-   hologramas de esperança -

" E lá estava ele, entre os meninos da rua, a contar as estrelas do céu, num gesto de rebeldia às verrugas que despontavam na ponta do nariz." Ivane Perotti

                                         Varria-se o dia para debaixo do tapete da lua.
                                Vozes reclamavam dos trancos que a vida deixava em aberto na desordem natural da sobrevivência.  Súplicas por esperança transformavam-se em mariposas nervosas sibilando por sobre as cabeças abarrotadas de problemas e dúvidas. Mais um dia carregava o rastro da noite, como outras tantas noites povoadas por assombros e desconsolos.   
                               À própria maneira, um menino espiava o rastilho de luz que brincava de riscar o céu na linha invisível do horizonte. Ausente aos chamados externos, travara carreira com as redondas abas da lua crescente. Sandálias costuradas em crua fantasia mediavam-lhe os passos a  distanciarem-se do chão. Chão de pedras, chão de terra quente, chão de lágrimas humanas e pegadas de anjos cansados. Chão de homens soterrados.
                               Corria. Quanto mais  corria, mais aumentava o diâmetro de admiração do astro que tudo via; via e crescia em festiva comemoração. O manto da noite estendia-lhe as compridas franjas; nuvens rosáceas beliscavam as finas mãos em riste; o vento interrompera a dança do anoitecer para soprar-lhe os cabelos grudados junto à testa larga; a lua segurava o fôlego do inchaço em expansão para emprestar-lhe o ar já impregnado com as dobras da noite; as montanhas curvavam-se em reverência silenciosa; os caminhos almofadavam-se em aberturas sinuosamente alegres; as estrelas faziam coro, desenhos, firmavam cartilhas, pilhas, até uma delas cometer o desatino de beijar o menino.
                              E beijou. Beijou como só uma estrela cadente sabe fazer. Beijou-lhe  os sonhos e a valentia, beijou-lhe os olhos que tudo viam; beijou-lhe a voz inocente e depositou créditos de beijos nos passos livres daquela infância simples e coerente. Segredou, por entre os sorrisos da criança que, além dela, outras estrelas espiavam a cena, de bem longe, muito longe, mais longe do que o firmamento pudesse apontar.
                            Inebriado, o pequeno ofereceu à estrela os números que se apagavam por entre as mãos. Contara os pontos de luz dependurados nas redondas abas da lua, e fizera-o tão somente para marcar um encontro com o luar na porta do firmamento.
                          Naquela noite, um menino adormeceu envolto pelo suave e repentino som da chuva. Não sabia ele que,  as lágrimas de esperança  das estrelas contadas e não contadas pediram licença às nuvens  para derramarem-se por sobre a terra seca. Nem o vento reclamou de outra interrupção: a dança da vida coreografa-se em hologramas inacabados e valsas não eram exatamente a sua preferência, bem gostava ele, o vento, de um antigo jazz, ou dos novos blues. Afinal, há de se reconhecer o lugar da fruição.


" Quem não sabe contar estrelas não pode negar ao outro o direito de fazê-lo." Ivane Perotti

Ivane Laurete Perotti

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