AGONIA DE UMA ESPERANÇA
MULHERES  NA PRAÇA DA LIBERDADE
-
o ENEM da vida
ultrapassa os limites do Ensino Nacional -
    "É horrível assistir à agonia de uma
esperança."
      
Simone de Beauvoir
    
                                  Nesgas de lucidez  configuram  lucidez:
ponto.
                                      Milhares
de brasileiros no último final de semana configuram o ENEM, dois pontos: uma
estratégia de avaliação empacotada em formas generalizadas de conhecimento não
disponíveis nas lojas de atacado e escolas engessadas. Onde entra a lucidez no
quadro dos hiatos invisíveis aos olhos ingênuos?
                                     A qualidade do entendimento permaneceu do lado
de fora das salas abarrotadas por candidatos ansiosos, entre rosários de fervorosas
jaculatórias e promessas de naturezas outras. Rogai pelas mães dos candidatos, únicas a manterem-se lúcidas e
calçadas em inflamada fé prodigiosa. Assim é no paraíso das possibilidades.
                                  
Longe da natureza discutível dos enunciados  e conteúdos entalhados nas questões retorcidas em avaliação, distintas mães
mastigavam o lapso do tempo decorrido entre a hora da estreita passagem pelos
portões bem guardados por seguranças uniformizados e a possível hora da saída
pelos mesmos portões. Não! Já não eram os mesmos portões! Uma vez que engolidos
foram os filhos precavidos, outros permaneciam do lado de fora a debulharem
lágrimas sentidas  ou a encenarem
ridículas pantomimas de duvidoso talento teatral. Há sempre os que choram o
choro das carpideiras diante do luto alheio. Enfim, a natureza humana supera-se
em bizarras estultices, como afirmava Umberto Eco: "Existe apenas uma coisa que excita os animais mais do que o prazer, é a
dor."  E que se entenda por animais toda a fauna social não coroada
pela lúcida humanidade - esta última é um prêmio que configura evolução, mas o tema é para outro quadro
anedótico!
                              
Na Praça da Liberdade, centro de Belo Horizonte, as mães esperançosas
teciam brócolis. Sim, aquelas pequenas formas retorcidas em panos coloridos que
também recebem o nome de "fuxico".
Não fuxicavam as ditosas mães, pois mãe de candidato do ENEM  reza, ora, contempla, medita, intercede, tudo
na mesma ordem e princípio do que interessa ao presente-futuro dos filhos no
meio do caminho do Ensino Brasileiro. Bendito é o fruto do aprendizado, mas já
não se faz estudo e estudantes como antigamente - uma vez que da escola
retirou-se a curiosidade e do professor se fez um malabarista da boa vontade. 
                           
Desdita é a profissão que interfere nos sonhos desprovidos de iníqua
qualificação, mas diante das promessas de sobrevivência e nesgas de lúcida
vontade, as mães não entoam discursos esfarrapados: esfarrapam-se elas próprias
para alcançarem aos filhos um olhar para a frente, à frente da realidade.
                          
"Todas as vitórias ocultam
uma abdicação" , deixou dito Simone de Beauvoir , mãe indireta de uma
escola de pensamento que arreganha os dentes diante da incompletude do sujeito
social. Mal sabia ela que um dia , não distante nem improvável, abriria  azedas questões de interpretabilidade sem
garantias. Bem dito que elas não existem: as garantias, pois dizer é dardo lançado ao vento, fadado
às intempéries  do tempo e da intencionalidade, alheias à "original"
alteridade. 
                          E
lá estavam elas, as mães genitoras, e a intelectual que não pariu - pariu? são
tantos os fuxicos malogradamente transcritos de última hora na/s/ Wikipédia/s/
da vida digital que afirmar sobre uma possível prole da pensadora é um
"tiro no pé"!  - a atar os nós
da esperança no mesmo cabedal de experiência.
Liberdade?
Ivane Laurete
Perotti
