RITO DE PASSAGEM
A
INFÂNCIA PEDE GUARIDA
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um "rito" de passagem cobra "passagem"
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"Se a criança não receber a devida
atenção, em geral, quando adulta, tem dificuldade de amar seus semelhantes."
Dalai Lama
Por fora, os traços marcados forjavam
máscaras de uma adultice precoce e
decadente. Os sonhos descoloridos grudavam-se ao chão com o poder de garras amoladas na realidade desfocada. Pedras e
moleiros construíam o mesmo castelo em cartas marcadas e masmorras emocionais:
a infância escorria a céu aberto para lugares inalcançáveis. Classificadas por categorias funcionais,
algumas serviam ao propósito dos pais, outras ao propósito do estado - instituído
em poder de guarda -, outras moviam o poder capital - objetos de persuasivas
estripulias comerciais -, ainda outras
pagavam a pena dos genitores desconstruídos a sovéu curto; e havia mais, muitas mais, abandonadas, alijadas de
seus direitos, esquecidas e violadas, assassinadas pela indiferença mundial,
massacradas por interesses grupais.
Poucas, poucas crianças contavam com o sol para fazer-lhes companhia,
com as nuvens a desenharem-se em fantasias, com abraços e mãos em conchas de
afagar. A fuga do "rito" passava por vias indiretas e traçava
rabiscos sem graça pelos corredores dos shopping
centers, abandonava as praças ao sabor das pipas esquecidas, camuflava as
ruas abarrotadas de rostos desprezados, mutilava corpos nas guerras deflagradas
por bandeiras que arrastam o terror.
"Triste de quem
não conserva nenhum vestígio da infância."
Mário
Quintana
Por que calçadas da
vida caminham as nossas crianças?
Crescer tem gosto
de prego enferrujado na boca dos pequenos desvalidos, ou transformados em jogos
de querer ( na Gramática de Casos de Filmmore, /querer/ é analisado entre os
verbos de entendimento e vontade que "afeta" o ser animado pelo estado ou ação identificado pelo próprio verbo)
; afasta-se o fantasma da
responsabilidade alimentando as cadeias de um sistema em pirâmides de desejos
criados fora da alça da infância. Com quantas sacolas carregam-se os desejos de
um ciclo cujas manobras são típicas do aprendizado tutelado? - ou não! A tutela
exige participação e a infância gera trabalho, planejamento, conhecimento
emocional, limites, e sobretudo... sobretudo exige amor. O famigerado sentimento
desbotado nas agruras da semântica visceral.
Entre as baleias,
os golfinhos e as crianças, falta um Greenpeace
para salvaguardar as últimas dos Estatutos
inoperantes, das leis impraticáveis e dos adultos sem tempo e sem lembranças.
A infância é um
"rito de passagem" que cobra tarifas em um futuro presente/presente
futuro: o passado é um presente quantificado
em pacotes de comportamento sem liquidação.
A quem se destina este dia?
Se existe um destino e um dia, que a commemoratio nos traga à lembrança
pragmática e aplicável os valores da criança primordial.
"Mostrei
minha obra prima às pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes dava
medo. Responderam-me 'Por que um chapéu daria medo?' Meu desenho não
representava um chapéu. Representava uma jiboia digerindo um elefante. Desenhei
então o interior da jiboia, a fim de que as pessoas grandes pudessem entender
melhor. Elas têm sempre necessidade de explicações detalhadas."
Antoine de Saint-Exupéry
Ivane Laurete Perotti