PELO DIA QUE NÃO CHEGA
DE
OLHOS ABERTOS
- ensinar é uma via de várias mãos e muitos
"caroços" -
" O melhor mestre
é o que conseguiu educar a si mesmo."
Cora
Coralina
Aos pés do umbral de madeira, a
porta da sala de aula gemia. Deixara passar uma lufada cega e fria trazida
pelas barbas do vento norte, enquanto a figura alta a mantinha entreaberta.
Indeciso ou estratégico? Sensível à dúvida que
parecia ser um movimento comum à cena, deixou que o vento se encarregasse de
invadir outra vez os espaços recortados pelo corpo aprumado. Aprumado? O vento
levantara a franja dos cabelos levemente grisalhos e deixara à mostra os vincos
da testa larga: vincos esculpidos por cinzel teimoso e resistente. No entalhe
da primeira linha, descrevia-se a profundidade das preocupações persistentes;
na segunda, talvez mais fina e de maior fundura,
as dimensões das angústias pessoais entranhavam-se sem melindres; mas era a
terceira linha na testa do professor à porta da sala que deixava um lapso de
entendimento pairar entre o volume do vento e os demais olhos que o aguardavam.
Aguardavam? Não fosse uma sala de aula, diria a porta em suas considerações umbralinas, que, ou a recepção ao mestre
era uma ovação feliz, ou estaria ela divagando sobre botões que não lhe
pertenciam.
Enfim, a figura alta avançou até a
mesa posta para a sua performance pedagógica. Mesa e cadeira recebiam a
legitimidade do ato ensinatório ... e o
falatório tomava a diretriz de um movimento sem tempo para calar. Ao redor
dos olhos do professor, outros vincos mostravam a história de sua profissão
amalgamada em caminhos que transitavam do profético
ao ético, do político ao social, do antropológico ao acadêmico, do humano ao descomunal. O rosto sério e
compenetrado era um livro escrito em radículas de esperança e tentativas de
reconhecimento profissional: instrumento de risco, deslizava por fronteiras sem
dono.
A escola, instituição a
serviço de alguém, alguéns ou
ninguém, espelhava um laboratório abarrotado de elementos químicos reagentes e
reativos abandonados ao léu. Não! Não
ao Leo, este a porta conhecia melhor
do que qualquer um, pois bastava-lhe manter o gemido pelo tempo de alcançá-lo e lá vinha ele, com o óleo
em riste, pronto para banhar as suas entranhas expostas em nodosa substância.
Calava-se a porta. Momentaneamente calava-se, pois ao cair da noite e no
silêncio faltoso que as crianças deixavam, gemia em surdina, chorosa da solidão
imposta. Conhecia o Leo, era do bem o
senhorzinho fazedor de todos os
reparos. Mais antigo do que a própria escola, talvez um dia , quem sabe, tivesse
ocupado o cargo de bedel. Talvez,
pois o vento levava e trazia palavras que ela nem sempre reconhecia. Há muito a
porta não ouvia o nome que tão bem lhe soava: bedel.
O professor marcado a bisel, chanfrado pela rotina de aulas
acumuladas em mais de uma escola no mesmo período, lembrava O Pensador, de Rodin: desnudo, nu,
pelado!mas, não representava Dante Alighieri, nem a poesia épica, nem se
postara diante do Panteão Parisiense.
Antes, replicara-se e duplicaram-no em travestimentos
profissionais que a liberalidade do trabalho permeava. O professor é um
profissional do ensino? Ora, então, quem
sabe pode fazê-lo tão bem quanto. Pode?
A porta não gostaria de
ser consertada pelas mãos do professor sentado diante da classe e nem a classe
gostaria que o professor propusesse uma cirurgia de cataratas em um mutirão pela saúde ocular. Melhor seria um Projeto
Multidisciplinar às Cataratas do Iguaçu
com o professor de Geografia, ou o de Biologia, ou o de Produção de Textos,
ou.... eram tantos e nenhum! Faltava ao professor um lugar depois do umbral.
Da mesa posta em lugar de conveniência -
discutível anuência - ele expectava: quando a politização ruiria com a história
mal contada, mal paga e mal... reconhecida? Não! Não era ingênuo, pelo
contrário, pensava investir na bolsa dos valores perenes. Pensava, acreditava,
continuava. Se alguém um dia dissera que lecionar era uma espécie de
"cachaça", cabia enviar o dito,
o falado e o falante em pelo - outro
ditado popular modificado pela simples acentuação desmarcada - ao verdadeiro teatro da vida, no qual
a tragédia deixava marcas na comedia
anunciada.
Era assim... O Professor, de Todos Nós, em frente ao
Panteão de suas alquimias pedagógicas: instituindo-se profissional! Homem sem
igual, cuja identidade ainda passa pelo crivo da legitimidade social. Rima pobre, de propósito e com o propósito
de chamar às falas quem pensa que o professor não ganha ma... Para poupar os ouvidos e desfazer o
trocadilho, que se abstenha o fonema / l
/
da fonética inferna... [ l ]. Ponto fin... fin..fin...deixa-se para lá!
"
Nada do que vivemos tem sentido se não tocarmos o coração das pessoas."
Cora Coralina
Ivane
Laurete Perotti