ÀS PENAS DA LEI...
  DEMOCRACIA EXCLUDENTE
 - quando a obviedade beira o precipício -
"A democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder." Carlos Drummond de Andrade
 Dois pombos-correio arrulhavam sob o peso das informações presas às garras. Adestrados, haviam subestimado o valor do carregamento diário. Uma ida, duas voltas e lá estavam, acima das penas alheias. Isentos de culpa, responsabilizavam-se tão somente pela entrega. Ninguém os interpelaria, tanto quanto não levantariam a menor suspeita: a que voavam? Voavam baixo, à espreita do menor movimento inquietante: alguma novidade no ponto de pouso? Nenhuma novidade. Nenhuma alteração na entrega pré-estabelecida. Apenas, não contavam os desavisados adestradores com a faculdade pombística de aprendizagem acelerada. Os pombos-correio aprenderam a arte da persuasão e do convencimento no dialógico movimento de ir e vir: repetido movimento que imperava na situação política das terras demarcadas abaixo de suas patas. Terras de ninguém! 
 - Não! Terras são espaços de contenção e manifestação de poder. Estás a supor que a ninguém interessa um marco de posse? Ora...terras são sempre e inegavelmente de alguém!Sem elas, não haveria um governo: não existiriam guerras...refugiados.. essas coisas que mancham a paisagem social.( Era o pombo acinzentado tomando a dianteira da argumentação).  
- Não discordo, mas complemento - disse o segundo pombo. Veja que  terras são metáforas de papéis em branco, feito nações delimitadas pelo valor de troca.Algo que se deseja ter às mãos para comandar. É a DEMOKRATIA em seu auge...aqui na terra como nos céus! Olha a fronteira aérea! Idem e ibidem!   
- Hummmm... pois penso que estás a alargar o escopo da conversa. Diálogos nem sempre servem à valentia de um comando. Veja a nossa situação. Desconhecidos, servimos à pátria, sem qualquer condecoração. Volúpias democráticas! Tergiversou o pombo coberto pela cor dos dias sem sol.
  - Tu me fazes lembrar do querido Shaw: que as libélulas o cubram. "A democracia é apenas a substituição de alguns ..."  
 - "...corruptos por muitos incompetentes." Saudade de Bernard.Já não se  sabe pensar como antigamente. Ah! Nostálgica saudade! Arrulhou o  mais sensível dos bípedes. Saudade é uma prisão sem muros da qual não se deseja a fuga. 
 - Vejam só! Pois estás a cometer plágio de baixo calão! "... uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga (...)."   
- Aldous Huxley! Claro! É de direito que eu o cite: " A ditadura perfeita terá as aparências da democracia...". Saudades...saudades tomam forma de...  
- Pare! Não adultere a citação! Ei-la:"A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão."  E tenho dito. Quero dizer...repetido!    
 - Tolinho! Eu falava de saudade!    - Também falo de saudade! Ora! Já esqueceste que nascemos em cativeiro? Tenho saudade da liberdade que nos foi negada...   
  - Cumprimos ordens: voamos!     
 - Tudo pela história desta terra de ninguém.    
  - ... ah! bem desejaria votar antes de obedecer às ordens!     
  - Irmão! Deixe o Bukowsky onde ele deve estar agora!" A diferença entre uma democracia e uma ditadura consiste em que, numa democracia se pode votar antes de obedecer às ordens."  
 - Ah! Charles... 
  Ivane Laurete Perotti  
